Os Madrepaz entraram em retiro, fizeram a sua cura, e da poção do seu shamanic pop trazem Panoramix, que figurará certamente como um dos melhores discos nacionais de 2017.
Pedro da Rosa sente-se um homem (para já) realizado e o caso não é para menos. Tem pouco mais de 30 anos e faz parte da geração de músicos que perfilharam a nova música nacional. Ele que, juntamente com o baterista Nuno “Canina” Moura, fez parte d’Os Golpes, banda que abriu portas para a aceitação da música cantada e sentida em português.
Seis anos após o fim da banda liderada por Manuel Fúria, Pedro da Rosa e Nuno “Canina” encontram-se no ponto mais alto da sua viagem. Juntaram-se a Ricardo Amaral, velho amigo de outras andanças e João Barreiros e formaram o grupo de pop xamânico de seu nome Madrepaz.
A banda foi nascendo ao sabor das várias voltas e fases de vida dos seus membros. O que hoje conhecemos como Madrepaz foi começando a germinar ainda na altura d’Os Golpes, começou a maturar com a banda Armada, onde Pedro da Rosa e Ricardo Amaral foram começando a entrosar-se e floresceu quando Pedro, Nuno, Ricardo e João se libertaram de vidas passadas e abraçaram o som que lhes vai na alma.
Gravado por Diogo Rodrigues, no já mítico estúdio de Alvalade – uma espécie de bolha dentro da cidade -, Panoramix partilha a sua matriz com Pesar o Sol, dos Capitão Fausto. Mas quando ouvimos Panoramix, há algo mais que nos prende a atenção do que apenas “mais” um disco revivalista de rock psicadélico. Encontramos nas suas músicas mais do que uma tentativa de buscar sons antigos. Aqui conseguimos encontrar uma alma cheia e sentida, onde os nossos sentidos nos projetam não só para viagens espaciais, mas para incursões pelas selvas tropicais, por florestas negras europeias, por campos de trigo ou por vielas e ruas iluminadas numa qualquer noite citadina. Mas, acima disso tudo, está uma viagem pelo próprio ser, quase como uma viagem cósmica da nossa ligação a este mundo. Uma maneira de reflectir sobre os nossos passos e sobre o quão precisamos de dar atenção às nossas várias fases da vida, pois são elas que nos moldaram e continuarão a moldar no futuro.
A este processo levado a cabo pelos Madrepaz não é alheia a sua fuga para a Zibreira, no Ribatejo, onde a banda faz a sua cura. Onde lavam a alma do peso da cidade, onde encontram a sua ligação ao meio primitivo do campo, aos animais, ao nascer e ao pôr do sol. E isso não dá para reproduzir estando a viver 365 dias por ano na cidade. Não. Panoramix é sentido e vivido.
Não é de admirar que juntos tenham vivenciado “O Sol Amarelo” a nascer no seu belo esplendor durante alguma directa pelos campos do Ribatejo. E não se ficaram por aqui. Construíram “Novas Pontes” entre os mundos da cidade e do campo e deram-nos uma das mais belas músicas cantadas em português dos últimos tempos. Uma música que vai da acalmia pastoral à pista de dança e de volta à acalmia numa transição suave e segura.
Aproveitando a onda, deixamo-nos perder pelos campos de trigo onde “Sopra O Vento” e mantém-nos ainda nesta viagem pela cabeça dentro.
Abrindo os olhos, vemos que continuamos no campo, mas há muita mais gente à nossa volta e estão todos a dançar com olhos fechados e num mundo só seu ao som de uma batida que apenas os verdadeiros viajantes a conseguem decifrar. “Tudo Morto Tudo Vive” é o lado mais tribal de Madrepaz a vir ao de cima, o seu lado mais transe.
O disco continua a contar-nos histórias ou estórias que se passaram com os elementos da banda – “Mão Direita” conta uma história acerca da altura que Pedro da Rosa tinha o braço partido; ou apenas pequenos acenos a momentos passados nos seus retiros de cura – “Gaspar O Cão de Fogo”, “Puff O Sofá Vermelho” ou “Santa Clara e a Laranjeira da Zebra Madura”.
Panoramix, dividido pelas suas onze músicas, é um caldeirão repleto de uma poção mágica, que tomada sem medos e receios nos levará ao interior do nosso mundo ilustrado numa bela fotografia panorâmica, tudo com a ajuda dos xamãs Madrepaz para nos guiarem nesta bela viagem.