Salma Jô e Macloys Aquino estão de regresso. Bom gosto musical e alguma malandragem nas letras cantadas fazem de S&M o disco mais sexy da dupla. Se não se deixar seduzir por ele, é porque alguma coisa de errado se passa consigo.
Salma e Mac são presença assídua no Altamont. São muito cá de casa, tanto como dupla, como por meio da banda que fundaram há já mais de uma década, de nome Carne Doce. Quem nos conhece, sabe bem que tratamos deles como seres musicais de apreciável qualidade e como amigos transatlânticos por quem temos muita estima e admiração. O casal regressa agora, em 2024, numa feliz dupla circunstância. Banda e duo estão em grande no ano que já se vai aproximando do seu fim. Cheios de força, mais vivos do que nunca, Salma e Mac chegam para mexer connosco e para nos fazer sentir que há ousadias que merecem bem a pena viver. S&M, o novíssimo álbum, parece querer que percebamos uma coisa muito simples: se a carne é doce e apetecível, ela também pode trazer consigo outros condimentos, desta vez bem mais picantes e luxuriosos.
A eterna Rita Lee cantava “Sexo é imaginação, fantasia /(…) sexo é poesia”. Tinha razão, claro. Salma e Mac escolhem outras palavras para concordar com ela, e vão mais fundo no assunto. O desejo é, por vezes, tão contraditório que recebe e afasta, quer e repudia ao mesmo tempo. Agora, imaginem tudo isto com música a preceito, em canções que parecem feitas para as usarmos como uma segunda pele, lasciva, sensual e exuberante. Se escutarem S&M com a devida atenção, é bem provável que venham a concordar connosco.
O disco arranca de forma bem pop. “Selva” é tudo menos selvagem, com um refrão a lembrar a já referida Rita Lee Jones dos anos 80. A letra, como todas as do disco, é certeira nos seus intentos. Viver custa e leva-nos a crescer para lados que nem sempre imaginamos. “Diva” é muito bossa nova, escorreita, bonita, dando vontade de celebrar a vida, cantando os versos de Salma Jô. O saxofone de Sarará Santos é perfeito no adorno da melodia. Mas há, naturalmente, outros temas que gostaríamos de destacar, dando como dado adquirido que S&M vale como um todo. Já lá iremos. O álbum é coerente e bastante coeso nos temas tratados (as relações humanas, os amores, afetos e desafetos difíceis que as paixões sempre trazem, os lados lânguidos e tão humanos que não são estranhos a quem já tenha vivido relações mais sérias, ou até mesmo passageiras), e mais uma mostra da crescente maturidade artística do casal goianense. Mesmo não havendo uma única canção menos conseguida, é obrigatório realçar “Astral”, bonitinha e muito mpb-rock de outras décadas. Todo o álbum parece ter sido feito num outro tempo, uma vez que pisca o olho aos sons que absorviam várias influências nos anos do Brock do eixo Rio-Sampa-Brasília. Por vezes, vem-nos à cabeça certas lembranças dos sons desses tempos, contrastando essa vertente mais ritmada com a atitude voz e violão bossanovista de Nara Leão (leia-se Salma Jô), como acontece com “Passivo”. Outro momento de grandeza melódica é “Continha”, que para além de muito bonita, avança com uma letra importante, em que a emancipação feminina em relação a tantos momentos do dia a dia tem de ser cada vez mais óbvia e urgente. Salma sabe escolher as palavras de forma bem económica, pois em poucos versos são muitas as verdades ditas. Essa é a essência com que lidam os poetas e Salma vem-se tornando perita em encontrar o que procura transmitir em metáforas simples, mas também ousadas. As suas letras estão supinamente atrevidas e cada vez mais precisas. Há flechas de Cupido, mas também tridentes do diabo pelos ares nas 10 canções presentes em S&M e nos pouco mais de trinta minutos do álbum.
Uma última referência para a canção que encerra S&M, cantada por Salma Jô e Macloys Aquino. É delicada, frágil e extraordinariamente bela. A letra é uma obra-prima, um instante de inspiração pura, sobretudo para quem sabe encontrar paz e beleza em momentos de alguma mágoa e solidão. Chama-se “402” e é uma ótima maneira de colocar o ponto final num disco que queríamos que não tivesse fim!