
Este foi um dia pouco comum no Primavera Sound. Se bem que, sem querer soar a clichê, o carácter inesperado do festival revela-se com alguma frequência. Depois da excelente e divertida entrevista com American Football, seguimos para uma conferência de imprensa com a Tori Amos, de quem sou fã há mais de 20 anos. Para quem queira saber, ela é igual à música que faz: é a mesma pessoa, com a mesma postura, fora de palco. Ou seja, uma espécie de fada, uma figura mitológica, sobre-humana, cujo poder reside em ver aquilo que as pessoas são. Ela sabe. Ela vê almas. É uma ninfa mágica das emoções. Pudemos falar com ela por um minuto, depois da sessão – uma coisa que nunca esperei fosse acontecer. E até tive direito a um abraço. O abraço da Tori Amos muda vidas.
American Football (palco Pitchfork): Excelentes. Para quem não conhece, é uma mistura entre math rock, emocore, post-rock e rock alternativo dos anos 90. Tocaram canções do pequeno repertório que têm, do álbum homónimo, editado em 1999. Clara influência de Tortoise na bateria de Steve Lamos, o que não poderia deixar de ser óptimo. Todas as bandas com membros da família Kinsella têm um selo de qualidade. O concerto foi muito bonito e o pôr-do-sol por detrás do palco sublinhou a ideia de estarmos a ver um evento raro e difícil de repetir.
Tori Amos (palco Ray-Ban): Por falar em raro e difícil de repetir: Tori Amos. Dizer que tocou na Europa perto de nenhuma vez, não é mentira. Terão sido cerca de 10 mil pessoas, as que presenciaram Tori Amos a alternar entre o tradicional piano Bösendorfer e um sintetizador. Absolutamente sozinha, como sempre faz. Na primeira fila, eram muitos os espectadores completamente lavados em lágrimas e quebrados em emoção – sendo eu, um deles. O material antigo é o que conheço melhor, e nesse sentido foi, para mim, o melhor. O alinhamento foi o seguinte: Bliss, Caught a Lite Sneeze, Crucify, In Your Room (Depeche Mode), Silent All These Years, Cruel/Sweet The Sting, Sweet Sangria/Unrepentant Geraldines, Precious Things, The Waitress, Toast, Code Red, Raspberry Swirl e Cornflake Girl.
Este concerto foi absolutamente emotivo e encheu as medidas de tal maneira que não fui sequer capaz de ir ver mais nada durante as horas seguintes, o que explica a menor quantidade de bandas incluídas neste artigo.
The Strokes (palco Primavera): Sendo apenas verdadeiramente apreciador do primeiro disco dos Strokes, gostei da abordagem a este concerto, em termos de som: as canções, agora, soam todas ao disco de estreia. Acredito que esta é uma boa decisão, porque faz com que cimentem o código que eles próprios desenvolveram. Sou completamente a favor da evolução das bandas. Só que acredito que nunca voltaram a ser tão bons como em 2001. Em termos de som, tudo certo. Por outro lado, a relação entre os membros do grupo não pode ser boa – e isso não só é bastante evidente para o público, como acaba por afectar o espírito do espectáculo. No fim de contas, foi o melhor concerto de Strokes que vi, num total de três.
tUnE-yArDs (palco Pitchfork): Merrill Garbus é muito inteligente, sensata e divertida. O disco do ano passado, Nikki Nack, esteve no meu top de 2014. Sempre que tocaram material mais recente – não que o anterior seja profundamente diferente -, como “Real Thing”, foi excelente. tUnE-yArDs é mesmo muito bom ao vivo.
HEALTH (palco Pitchfork): Não irei fazer uma recensão adequada de um concerto do qual vi apenas um par de minutos, mas serve esta entrada para reclamar do volume desnecessariamente alto, que invadiu outros palcos.
Shellac (palco adidas Originals): Os principais prejudicados pelo volume de HEALTH – se não contarmos com a fila da frente no palco Pitchfork. Os Shellac, mais ou menos liderados pelo histórico Steve Albini, dão versões muito próximas do concerto do ano anterior, eles que vão já no oitavo ano consecutivo do Primavera Sound. São um estandarte da casa. Só que, mesmo sendo duros e inquestionavelmente “badass”, muita da força dos Shellac reside no domínio dos silêncios. Quando temos alguém a espezinhar esse espaço, torna-se muito difícil apreciar a experiência fenomenal que é ouvir Shellac ao vivo, durante uma hora e sem interrupções.
Caribou (palco Ray-Ban): Dan Snaith é brilhante e Caribou será, nestes anos, uma das melhores bandas de fecho de noite num grande festival. O palco mais bonito do festival esteve cheio, com cerca de 10 mil pessoas, às três da madrugada. “Bowls” é um pedaço de música incrível e tocaram uma versão particularmente inspirada, razão pela qual a destaco as vezes que forem precisas.