Imaginem os anos 70. Imaginem a revolução tecnológica, electrónica, binária. Imaginem um sintetizador da Yamaha e a possibilidade de programar e gravar batidas musicais, daquelas que servem de fundo para um dedilhado qualquer. Imaginem efeitos que permitam que um teclado soe a uma flauta transversal ou a um saxofone tenor.
Imaginem agora a África ocidental, sariana, nomádica, muçulmana, francófona. Tentem imaginar o Níger sem confundi-lo com a Nigéria. Imaginem a sua música tradicional, aqueles instrumentos que cá na Europa nem têm nome.
Agora imaginem um tipo do Níger que não representará obviamente a sua população maioritária pois tem a possibilidade de frequentar a universidade, aprender inglês, possuir um sistema de reprodução de som, comprar música estrangeira (em especial Soul e Funk das Américas) e comprar um sintetizador daqueles de que falei ainda agora.
Não tentem imaginar se tudo isto resulta em alguma coisa, mas ao mostrar o bandcamp do mestre à minha amiga Tatiana, ela, que é peruana, sorriu e transcrevo: “Me hace recordar cuando jugaba jueguitos de Nintendo”. Que tal, convencerá isto alguém?
Quatro anos depois de ter comprado o seu orgão, Mammane Sani Abdullaye gravou o primeiro e único álbum em 1978, Mammane Sani et son orgue, pelo que se diz ficou conhecido em todo o Níger graças à divulgação radiofónica e televisiva nacional. Infelizmente o estrelato não transpôs fronteiras, uma vez que as reproduções do álbum não passaram de um número limitado de cassetes. Ou felizmente. Porque em 2009 nasce o projecto Sahel Sounds, que tem como objectivo a divulgação de música tradicional daquela zona de África (entre o deserto do Sahara e a savana sudanesa), e o álbum de Mammane Sani foi recuperado, reeditado em vinil e finalmente divulgado extra-fronteiras.
Poucas espaço me resta para falar do concerto em si. Mammane Sani chegou à ZDB com cabelos e barba branca, um sobretudo, gorro e cachecol. O público, na sua maioria com menos de quarenta anos, não sabia ao certo ao que vinha. Provavelmente nenhum de nós teria pensado em assistir a um concerto com batidas programadas num sintetizador fora de moda num espaço destinado a música alternativa como a ZDB, mas como há uma primeira vez para tudo e como talvez alternativo agora são batidas programadas num sintetizador, a malta não só engoliu como se encantou. À volta de Sani (que se colocou no centro da sala, pés num tapete vermelho) eram olhos abertos, quais crianças maravilhadas com um novo jogo de computador (ou Nintendo). Nesta época de resgate de modas, talvez voltemos a ver músicos com orgãos Yamaha cheios de botões numa sala por aí. E talvez não nos sintamos surpreendidos quando alguém rematar um concerto com a Ain’t no Sunshine.
(Fotos: olhos(«Ä»)zumbir)
É bom é!
eh pá, nunca tinha ouvido falar de tal coisa. mas fui ouvir o disco (obrigado pelo link!) e é tão inocente e estranho que é muito bom.