Estando um bocado desfasado das últimas notícias sobre Aimee Mann, foi com alguma surpresa que soube deste seu concerto em cujo artista de suporte era Ted Leo. Não fazia grande sentido. Se Aimee Mann é como que uma Deusa da melancolia, da extraordinária e reconfortante melancolia, Ted Leo, por outro lado, é um homem do punk. Que raio de mistura seria esta afinal? A resposta foi dada ao longo da noite e que desvendo desde já: Aimee Mann e Ted Leo têm um projecto em cumum, chamado… The Both.
Mas vamos por partes, pela primeira como faz sentido. Foi então Ted Leo a solo que subiu ao palco da Aula Magna para dar início às hostilidades. Ora, convém explicar então quem é Ted Leo. Como disse antes é um homem do punk e que desde os seus 21 anos (hoje tem 43) que lança albuns, primeiro em bandas que o próprio fez emergir, como os Animal Crackers, Citizen Arrest ou Chisel e mais recentemente (vá, desde o novo milénio) com o seu projecto Ted Leo & The Pharmacists. Foi assim que se apresentou há uns anos no MusicBox (e não no Lux, como ontem fez referência) num concerto para pouquíssima gente mas que foi muito bom. Ontem, apresentou-se sozinho, apenas de guitarra eléctrica em punho. Não deixa de ser estranha a ausência de um baixo e principalmente de uma bateria nas músicas do norte-americano, mas Ted Leo não desiludiu ninguém. Tocou com a mesma energia de sempre e passou pelos seus êxitos mais conhecidos como a potentíssima “Bleeding Powers” ou “Colleen”.
Ted Leo tocou cerca de meia hora sozinho até que chamou para junto de si Aimee Mann e apresentou então o projecto actual de ambos, The Both. Se a mistura da tal melancolia boa de Mann com o punk de Leo é difícil de imaginar, The Both concretiza impecavelmente os dois estilos. Nasce uma espécie de folk a duas vozes de muito fácil absorção. Curiosa é a química entre ambos. Os dois juntos em palco passam mais tempo a falar que a tocar e cantar! Desde falarem de como está a correr a noite à teoria de Leo de como é uncool um fã levar a um concerto a t-shirt da banda que vai ver. Não era uma conversa em vão porque Aimee Mann usava a sua própria tshirt, o que a fez notar que ali estava ela, com a sua própria tshirt, a fazer a abertura do seu próprio concerto. Algo a que Leo, como que uma serpente a comer o seu próprio rabo, sugeriu que levava a um novo grau de coolness e não de uncoolness. Conversa surreal e magnífica.
Foi então a vez da autora de Bachelor nº2, Lost in Space ou The Forgotten Arm subir ao palco. Começou sozinha mas depois acompanhada por um baixista e um pianista. Mas se estaria lá supostamente para apresentar o seu mais recente álbum, intitulado Charmer, Aimee Mann quase que despachou uma mão cheia de músicas para chamar de volta Ted Leo ao palco e apresentarem mais 3 músicas de The Both. No meio de, claro está, mais uma boa quantidade de minutos em plena cavaqueira. Depois destas 3 canções, Ted Leo manteve-se em palco para acompanhar Mann num dos momentos da noite, a tocarem juntos “Save Me”. Que momento! Critiquem-me por gostar de singles, mas “Save Me” é uma música lindíssima e ontem elevou-nos a todos a um certo paraíso. A voz perfeita e penetrante de Aimee Mann é algo que nos causa arrepios. E logo a seguir com “Wise Up”, noutro momento transcendente, os arrepios continuaram.
Foi um concerto longo mas que passou num ápice. São assim os momentos bons da vida. A cantautora cinquentona ainda teve tempo de tocar uma versão da sua música que aparece em Shrek “Borrowing Time” antes de sair de palco com “One”, tema original de Harry Nilsson integrante da banda sonora de Magnolia, com as palmas do público a acompanhar. Uma ovação que a fez naturalmente retornar e terminar uma noite mágica com mais duas canções. A Aula Magna, que estava praticamente cheia, ficou absolutamente rendida.
(Fotos: Duarte Pinto Coelho)