É impossível não amar os Khruangbin, mesmo que o amor da esmagadora maioria do público de ontem estivesse orientado para Eddie Vedder e a sua banda. Não houve Vitalogy, mas houve muito Mordechai.
É sabido que a música faz-nos viajar. Até do planeta podemos sair, mesmo com os pés (mais ou menos) assentes na terra. Tudo isto para dizer que ontem, a Capital da Bulgária esteve em Algés. Mais uma evidência do mundo global em que se vive. Oito bonitas e bem esgalhadas canções no Palco Coreto, sempre tão português, quanto do mundo, como se vê. Sofia Reis foi a rainha do final da tarde e tocou uma ou outra canção nova, que em setembro será do conhecimento geral. Os ares da net encarregar-se-ão disso. Para já, e sobretudo para os que nunca ouviram falar da Capital da Bulgária, ponham-na lá no mapa das vossas escutas, que a viagem vale a pena. “Viajar, perder países” está na poesia e no sangue. Tirem o bilhete e partam, que é bem bom.

Black Honey é mel de abelha atrevida e roqueira. O ar malandro da vocalista Izzy Baxter passa para o som que fazem em palco. Rock sem rodeios nem invenção alguma, a blondie em palco marca a cena, chama os olhares e as atenções. Canções orelhudas, batidas fortes e guitarras a cortar o ar.
Entretanto, na obrigatória conferência de imprensa do último dia, foram anunciadas as datas do próximo NOS Alive. 10, 11 e 12 de julho. Agora é só esperar. À velocidade que isto gira, não tarda e estamos lá, a bater à porta e com vontade de entrar.

Breeders não deixou ficar mal os fãs old school. A idade passa pelas bandas e nem todas aguentam. É da vida. No entanto, há sempre quem consiga vir ao de cima do esquecimento, de quando em vez. Com um sólido disco em 2018, de que gostámos muito (All Nerve), a banda de Kim Deal ainda está aí para as curvas. Ou seja, não se despistaram, como acontece muito, por vezes até aos grandes. Há bandas assim. Com dimensão e saudosas malhas, como “Cannonball”, que ainda é um portento de som. E não faltou, ontem, à setlist Ainda bem. É bom ainda estarem bem vivos, os Breeders.
Num dia em que não havia sequer um bom punhado de bandas / artistas que quiséssemos verdadeiramente ver, tivemos de nos socorrer dos poucos que fizeram o nosso contentamento. E demorámo-nos neles, esgotando até à última gota de som aquilo que tinham para nos dar. Ainda bem. É bom esse descanso pausado, encostado às músicas que parecem ter sido feitas para nós. Nem sempre isso é possível em festivais, onde correr de um palco para outro é rotina dura e apertada. Ontem não foi assim, e para o derradeiro dia do NOS Alive 2024, foi uma espécie de perfeita despedida. Feito este já longo parágrafo em forma de parêntesis, voltemos aos concertos e às canções, que uma reportagem não se faz apenas de estados de alma.

O melhor é colocarmos as coisas sem rodeios: o melhor concerto (de longe) dos três dias do NOS Alive foi o dos Khruangbin, no Palco Heineken. O trio texano é um portento. Laura Lee é uma baixista fantástica, assim como também o são o guitarrista Mark Speer e o baterista Donald Ray “DJ” Johnson Jr na bateria. É quase um milagre o que fazem em palco. Tudo é tão perfeito que parece uma guloseima para adultos. Algodão doce para os ouvidos. Até as danças de ambos (Lee e Speer) enquanto tocam, parecendo valsas em câmara lenta, são trabalhadas na perfeição, servindo um propósito claramente sedutor. Tudo encanta, tudo é pensado para que nos sintamos bem, enquanto vamos percorrendo todos os continentes sonoros do globo. Estes americanos trazem nos dedos as mais variadas geografias, desafiando-as a aparecerem através das cordas dos seus instrumentos. Até as palavras, que nem sempre estão presentes, são muitas vezes usadas com um sentido rítmico que parece percussivo. Ouvindo e pensando, ao mesmo tempo, no que vamos ouvindo, passam-nos pela cabeça outros artistas e outras canções que parecem viver dentro das que estão a ser tocadas, como se fosse vizinhas próximas, de linhagens contíguas, digamos assim. Os suspiros de Laura Lee em alguns dos temas tocados lembram-nos histórias de Melody Nelson, assim como todo o ambiente em palco, turvo de fumo e de jogos de luzes e sombras. É de ir às lágrimas de satisfação, quando nos vamos apercebendo de tantas referências que se desenrolam à nossa frente, como se fossem lençóis sonoros jogados sobre nós. Estão lá a guitarra de Nile Rodgers e o baixo de Bernard Edwards, a bossa de muitas décadas de Brasil, o levantar de saias e de olés dos nossos vizinhos de fronteira, perfumes exóticos de África e de “Um Oriente ao oriente do Oriente”. Ouvir, entre outras, as perfeições que são “So We Won’t Forget” e “Pelota”, por exemplo, encheram-nos completamente a alma. Que bons que são os Khruangbin!

Depois, os tão esperados Pearl Jam. O respeito pela banda e pelo seu diferenciado vocalista existem, mas não nos levem a mal se duvidarmos que o que ainda vão tendo para nos dizer seja algo que verdadeiramente importe. Para mais, não tocaram um único tema de Vitalogy, um álbum que muita gente queria que fosse recordado. Foram a banda norte-americana de maior popularidade na década de noventa, superando os igualmente míticos Nirvana em vendas e contabilidades afins. Hoje, talvez apenas contentem o embalo saudoso de quem viveu em grande esses momentos, percebendo agora que esse mesmo tempo (e o genuíno entusiasmo que ele proporcionou), já só existe nesse recanto da alma a que chamamos nostalgia. Essa bonita idealização mantém-se em muita gente e atinge picos incríveis de catarse, por vezes coletiva, como terá sido o caso de ontem. Em temas como “Jeremy” e “Black” isso foi bastante notório. Escusada terá sido a cover de “Imagine”, algo que não é a primeira vez que acontece quando a banda atua cá no pequeno retângulo. Os que gostam da banda, terão amado o concerto. Os que lhe torcem o nariz continuarão, mesmo que pouco acompanhados nesse sentimento, a assobiar para o lado, empurrando a importância que terão tido para debaixo do tapete da indiferença.
Até breve, NOS Alive. Um ano passa tão depressa, que qualquer dia já será Natal.
*mais fotos brevemente
Fotografias: Inês Silva, excepto onde mencionado













































