Tudo começou quando os irmãos Bernardo Palmeirim e Madalena Palmeirim, quais Luke Skywalker e Princesa Leia da música pop, começaram a improvisar juntos na garagem da avó. Depressa se aperceberam que no seu jogo de vozes e no rápido intercâmbio de palavras e pedaços de música, havia aquela forte cumplicidade nascida de um nome comum. Em 2011 a dupla Palmeirim convida Gonçalo Castro para o baixo acústico e juntos gravam, numa modesta edição caseira, a “carta EP” A quem possa interessar. Em 2013 os nome comum dão o seu grande salto: integram na sua formação o extraordinário percussionista Nuno Morão (ouçam a percussão metálica e irrequieta de “Ninguém fica Só” e digam-me lá se não parece o som de uma fada a sapatear por entre os pingos da chuva); e ganham uma candidatura para apoio na edição que lhes possibilita o luxo de gravarem o seu primeiro longa duração – Cuco – no Golden Pony (estúdio de culto por onde já passaram os Pop Dell’Arte, Jorge Palma e Norberto Lobo!). A única canção que transitou do EP para o long play, a cativante “Acordo Tarde”, é bem reveladora da evolução que a banda sofreu nestes últimos dois anos: o piano e as percussões Bossa Nova acrescentadas à nova versão enriquecem a canção com um calor tropical que não existia antes.
Numa indústria pejada de fórmulas como é a da pop, é refrescante ouvir bandas assim, que têm a coragem de serem apenas elas próprias. Eu bem me esforcei para catalogar este exótico Cuco mas tropecei sempre em qualquer contrariedade. Dada a sua sonoridade acústica bem regada com experimentalismo e harmonizações vocais, bem tentei rotulá-los de indie folk, mas falta-lhes um ingrediente essencial: uma qualquer relação, nem que seja iconoclasta, com a tradição folk anglo-saxónica.
Recorri então ao velho truque a que todo o crítico musical recorre pelo menos uma vez na vida, quando está realmente atrapalhado: tentar captar a essência da banda, reduzindo-a ao cruzamento de duas grandes influências. Os resultados foram igualmente decepcionantes: “Três Tristes Tigres meets Kings of Convenience”, “João Afonso vai ao shopping com os Fleet Foxes”, “Márcia vai de férias com os Mler Ife Dadá”, foram as minhas três frustes tentativas.
Tentei depois uma abordagem mais abstracta: procurar as palavras-chave que finalmente abrissem o raio da fechadura. Cheguei a “delicadeza dissonante” mas a óbvia semelhança com o título igualmente parvo de um disco dos Pink Floyd fez-me, de imediato, amarrotar o papel e arremessá-lo para o cesto mais próximo.
Já que está difícil dizer o que raio este esquivo Cuco é, vou tentar ao menos dizer o que este álbum definitivamente não é. Cuco não é um objecto de consumo fácil que se goste logo à primeira. É preciso dar-lhe tempo, como quem saboreia devagar uma bebida forte- só assim o que primeiro se estranha por fim acaba por nos agarrar. Não é também um objecto pop convencional: deita a estrutura de canção verso-refrão-verso para o diabo que o carregue; os versos não têm uma métrica certinha; há na mesma canção mudanças de ritmo e de melodia que nos deixam desconcertados. Mas, e daí? Dizer que não é uma pêra não é o suficiente para se perceber o que é uma maçã.
Desisto. Definitivamente, desisto. Cuco é um objecto de todo inclassificável e intraduzível. Ouçam-no, apenas. E deliciem-se com a experiência de nunca terem antes ouvido nada igual.