Primeiro, os factos: The Unnatural World é o segundo longa-duração deste duo de Conneticut, um esforço longo que mantém a identidade criada com Deathconsciousness (2008), consolidada nesta mão cheia de anos que durou a gestação do sucessor que este ano nos chegou.
Compreendo a necessidade da criação de géneros e sub-géneros, e aceito a sua mais-valia na organização de todas as mediatecas. Mas não consigo evitar não chocar com o vasto espólio disponível quando oiço bandas como os Have A Nice Life. Eu queria dizer-vos, para simplificar, que os Have A Nice Life são shoegaze, mas é mentira, ou melhor, não chega. Se não, reparem se «Defenestration Song» não está carregada de pós-punk, com a bateria seca mas a encher todo o tema, e a guitarra a marcar presença com discrição mas cheia de personalidade e a apoderar-se dos nossos ouvidos.
A dificuldade em enquadrar a música dos Have A Nice Life não podia ser mais elogiosa, porque em última análise será um reflexo do processo de composição e criação a que a banda se propõe. Temos que assinalar esta confiança criativa, esta vontade de se movimentarem entre géneros e acima disso o modo como ligam todas as peças harmoniosamente – o par «Music Will Untune the Sky» e «Cropsey» é o mais bem sucedido de todo o álbum, um prelúdio drone que precede uma rajada de música suja, ruidosa e que acaba por se desfazer em murmúrios menos perceptíveis e perturbadores.
Porque é que, mesmo com as presenças do pós-punk ou do drone, vos digo que os Have A Nice Life são shoegaze? Dêem ouvidos à produção deste The Unnatural World e deixem-se levar por esta sujidade subjacente a todos os temas. É para este lugar onde acabamos embrulhados nesta mistura coloidal de vozes e instrumentos e ruídos que os Have A Nice Life nos levam desde 2008 e shoegaze é isto mesmo. E mesmo que a música de Dan Barrett e Tim Macuga possa lembrar-vos outros géneros, o shoegaze está em cada tema deste disco, sem cair nunca no exagero de ser indistinto e imperceptível. É isto que torna este shoegaze único e é por isso que neste género, os Have A Nice Life fizeram o álbum do ano.