Com uma das vozes mais lindas de Portugal, Catarina Falcão trouxe à antiga capela do Palácio dos Condes da Ribeira Grande, no dia 29 de novembro, uma presença discreta, mas marcante. Desde os primeiros dedilhados da guitarra, cada melodia captou a atenção do público, conduzindo-nos de forma íntima pelas suas canções e pelas histórias que elas contam.
É preciso começar pelo sítio da apresentação. Ao entrar pelos portões situados à esquerda da fachada sul do antigo Palácio dos Condes da Ribeira Grande, actual Museu de Arte Contemporânea Armando Martins, deparamo-nos com a antiga capela, hoje transformada em ÀCapela, o bar do museu e do hotel adjacente. A meia-luz das lâmpadas intimistas das mesas, refletida nas taças de vinho, cria um acolhimento imediato, enquanto o altar impressiona: Jesus na cruz parece suspenso diante de um ecrã onde passam imagens lentas, quase psicadélicas, de olhos que piscam, fetos a rodar e tempestades de areia. Mas basta erguer o olhar para a cúpula belíssima, com muitos dos frescos restaurados e preservados, para recordar que aquele foi, em tempos, um espaço de culto espiritual.
Não é, de facto, um espaço onde estamos habituados a assistir a concertos, mas sabia-se desde logo que a música que ouviríamos na hora seguinte dificilmente poderia estar melhor enquadrada. As mesas já estavam cheias quando o altar foi coberto por uma tapeçaria e, com o baixar das luzes, Catarina Falcão entrou na zona do antigo presbitério para se sentar, acompanhada pelas suas guitarras.
Foi o dedilhado suave na guitarra eléctrica e a voz ainda contida em “Room For All”, faixa do EP homónimo de 2020, que introduziu lentamente o público ao indie folk-pop de Monday. Seguiu-se uma sequência de músicas de Underwater Feels Like Eternity (2024), como “On and On”, com o seu crescendo vocal no refrão final — momento em que se revelou plenamente a sua força vocal —, “One Foot in Line”, “Teenage Romance” e “Luna”. Catarina mudou para a guitarra acústica a meio deste bloco, o que pareceu enquadrar a sua voz sob um ângulo totalmente diferente.
Depois chegou “Learn”, do primeiro álbum One (2018), e logo a seguir “Intentions”, do mais recente. Foi aí que aconteceu aquele pequeno milagre auditivo: apenas pela voz — num verdadeiro truque do cérebro — a canção soou exactamente como no disco, como se a memória tivesse entrado em cena para preencher as harmonias inexistentes. Só a voz, despida das camadas de estúdio, acabou por atingir-nos de forma ainda mais contundente.
Ao longo do set, Catarina partilhou pequenos fragmentos sobre cada música deprimente — palavras dela —, guiando-nos pelas suas crises com uma franqueza tranquila que ajuda muito a criar uma proximidade com o público. Depois vieram “Convictions”, “Little Fish” e “Out-in”, do EP Room For All, entremeadas por canções ainda não lançadas, que deram ao concerto um sabor de descoberta. Para encerrar o set regular, “Wasteland” — uma das minhas favoritas — revelou-se o fecho perfeito.
Sem se levantar, Catarina bebeu um pouco de água, enquanto o público, totalmente calado e quase imóvel, aguardava apenas mais algumas músicas para se dar por satisfeito. E, para isso, “Pink Room” e “I Can’t”, ainda não editada, embalaram-nos no último momento quente antes de enfrentarmos a chuva torrencial que ainda nos saudava do lado de fora.
No final, fica a sensação de que não há voz que mereça mais ecoar naquela arquitetura do que a de Catarina. Mesmo quando ela deixa escapar uma espécie de desculpa pela sequência de músicas “tristes”, sentimos que é exactamente isso que queríamos: sermos levados, mesmo que só por instantes, pelas suas melodias introspectivas, num espaço que as faz ressoar com toda a emoção pretendida.
Fotografias: Miguel Alverca











