Disco de uma canção só, Nus é Gumes e Gumes é Nus.
Em 2004 os Mão Morta já tinham há muito deixado de ser a banda de Braga do underground que hipnotizava os stoners que iam aos seus concertos como se de uma peregrinação a Meca se tratasse, ou seja, obrigatória. Era uma banda quase velha (quase 20 anos, ou seja, a meia idade das bandas de rock) e que tocava um género nas antípodas do que era popular à altura. E os Mão Morta fizeram questão de sublinhar bem esse lugar de outsiders dentro do mainstream em Nus.
Nus é um disco de uma canção só da mesma forma que Meddle dos Pink Floyd é um disco de uma canção só (ou seja, existem várias outras canções no disco, incluindo algumas bastante boas, mas quando o invocamos falamos quase sempre da mesma canção). Se em Meddle falamos de “Echoes”, em Nus é “Gumes” a deste disco, um opus em oito partes que inclui a declamação de um poema hipnótico, a narração acelerada de um assalto em speeds, uma samplagem de Citizen Kane, uma balada ao piano, três canções – incluindo um interlúdio electrónico -, uma curta peça de teatro e um prólogo desiludido.
Os temas da canção são os de sempre: a degradação do mundo, a violência, o desespero e a sacana da esperança que teima em manter-se lá, tornando tudo mais insuportável por querer ver sempre a luz ao fundo do túnel.
“Ficamos horas a brincar sob a noite serena de verão / sentindo a leveza do futuro na ponta dos dedos”, canta Adolfo em “Vertigem”. Podia ser bonito, não fosse num disco dos Mão Morta.