Parece que veio até nós para fazer amizade, este Hawking Radiation. Uma amizade hipnótica, fascinante e plena de boas radiações. As canções enriquecidas dos Lake Ruth rebentam mesmo connosco!
Em primeiro lugar, as apresentações. Somos educados, e quando percebemos que poucos conhecedores haverá por aqui, eventualmente, manda o bom senso e a civilidade que os apresentemos. Lake Ruth é uma banda de Nova Iorque, composta por Hewson Chen (multiintrumentista), Matt Schulz (baterista) e Allison Brice, a voz do trio. Já andam no mundo da música há algum tempo e todos eles estiveram ligados a vários projetos, antes de se apresentarem, em 2016, como Lake Ruth com o álbum Atual Entity. Depois desse primeiro longa duração, seguiu-se Birds of America (2018), chegando a banda a 2025 com o seu novíssimo Hawking Radiation, do qual se ocuparão estas linhas.
Todo e qualquer álbum é um ser multifacetado. Neles se encerram tanta coisa, que nos esquecemos, várias vezes, de olhar para eles como objetos transcendentes. Transcendentes pelo que neles se ouve, pelo que neles se lê, pela imagem com que se apresentam e pelos imaginários que são capazes de criar em quem os ouve, lê e vê. Ignorar isto é, sobretudo, um reflexo destes novos tempos de singles em vez de álbuns, de streamings em vez de os entendermos como objetos físicos que também são. Agora, que a dimensão física tem crescido do CD para o vinil, tudo isto ganha mais relevo e importância, daí uma primeira chamada de atenção para a belíssima capa de Hawking Radiation, da autoria de Nick Taylor. Soberba e bem capaz de projetar imaginários em quem a vê, ouvindo o que dentro dela vem. Fica a chamada de atenção.
Segundo parece, Hawking Radiation é um trabalho que tem três pressupostos na sua base. Ele foi inspirado no muito cultuado podcast Heaven’s Gate (investiguem, se a vossa curiosidade assim o exigir, não deixando de espreitar também o terrível desígnio das 39 pessoas que se suicidaram a 22 de março de 1997) e nas histórias lá contadas (no podcast, bem entendido) sobre seres que embarcam em naves alienígenas que vão atrás do cometa Hale-Bopp, mas também no romance Children of Time, de Adrian Tchaikovsky, assim como no famoso desenho Angelus Novus, de Paul Klee. A verdade é que com tudo isto junto e misturado fez-se um dos mais curiosos e estimulantes discos saídos na primeira metade de 2025.
E música, o que podemos ouvir por aqui, neste Hawking Radiation? A resposta simples é que se trata de um álbum de 12 temas, todos eles muito bem ligados entre si, mantendo-se uma notória solidez do princípio ao fim. Algo cinemático, nunca abandonando o formato canção, o que mais sobressai talvez sejam as melodias, o ritmo à la Stereolab, com incursões suaves e ligeiras por sabores bossa-novistas estilizados, modernos e retro ao mesmo tempo. A voz de Allison Brice, no entanto, não pode passar despercebida, sobretudo por ser de uma serenidade hipnotizante (há nela algo de psíquico que prende, íman supremo modificado pelo canto, pelas entoações, sei lá…), mas também de uma fragilidade de vidro e cristal. Confessadamente, somos fregueses deste tipo de vozes, como as de Laetitia Sadier (Stereolab), Sam Owen (Pram) ou Cathy Lucas (Vanishing Twin).
Em Hawking Radiation não há uma única canção melhor do que qualquer outra. É mesmo verdade, isto. Pode parecer conversa fiada, mas não conseguimos fazer distinções dessa ordem. Uma coisa é certa: ouvir, ler e ver o que Hawking Radiation tem para nos oferecer é já regalo suficiente, e assim escusamos preocupar-nos com pequenos destaques, como potenciais singles, por exemplo. Sejamos claros: o negrume luminoso e radiante de Hawking Radiation acenderá a tal luz que nunca se esgota e que é tão necessária quando fazemos algo de que gostamos muito.