Laetitia Sadier é um nome que se confunde com os Stereolab. Rooting For Love é o novo álbum a solo da fundadora dessa maravilhosa banda, e ouvi-lo é tão bom e reconfortante como voltar a alguns dos clássicos menos conhecidos desse coletivo, o que é o maior elogio que lhe podemos fazer.
Nunca sabemos bem o que esperar de um disco de Laetitia Sadier, embora esperemos exatamente aquilo que dele poderá vir. Esta aparente contradição deverá entender-se de forma perfeitamente aceitável na cabeça daqueles que conhecem o percurso da artista fundadora dos adoráveis Stereolab. Rooting For Love é o quinto trabalho a solo da senhora Sadier e chegou aos ouvidos do mundo há poucos dias. Fomos ouvi-lo, pois claro, e não nos deixou indiferentes. Antes pelo contrário. Nunca nos deixam mal aqueles que sabemos serem portadores de uma espécie de magia interior, mascarada de brincadeira séria, experimentação e ingredientes kraut-pop-psicadélico. Ou ainda de outras delícias mais, retiradas das imaginações férteis e inesgotáveis de quem já anda nisto dos discos e das canções há tempo suficiente para saberem exatamente como fazer bem o que fazem, de mãos dadas com múltiplos e inequívocos rasgos de génio nonchalant, digamos assim. É o que acontece com os Sterolab e é o que também se passa com Laetitia Sadier. Ainda bem.
Rooting For Love é composto por dez temas e tem uma duração de quase quarenta e dois minutos. Na verdade, esse tempo passa de maneira muito rápida e a razão dessa ligeireza tão célere é apenas uma: o disco contagia e agarra-nos pela cabeça e pela eterna doce estranheza dos seus encantos à flor da pele, que é como quem diz… à flor do som. Como quase sempre acontece, há faixas que se tornam mais próximas, numa primeira audição, do que outras, que parecem, por sua vez, atrasar-se um pouco, mas que não se fazem rogadas depois, ganhando o terreno que inicialmente pareciam ter perdido. E, por vezes, há incríveis ultrapassagens rumo ao pódio. Como se percebe pelo que vai sendo dito, não há perdas nem ganhos em Rooting For Love. O álbum, no seu todo, é belo e competente. Dificilmente se resiste ao lounge-pop-rock-kraut que Laetitia Sadier sabe fazer tão bem, e que vai ganhando escola. Quem já ouviu bandas como os Pram ou os Vanishing Twin entenderá o que dizemos.
Rooting For Love tem uma mão cheia de grandes canções nebulosas, mas onde o sol brilha ao virar de cada compasso. “Une Autre Attente” é soberba e apetece ouvi-la em repeat, aproveitando cada arranque, cada momento de distensão sonora, para além do facto que é bom e sabe bem ouvir a língua francesa para desenjoar um pouco de tanto anglicismo reinante. O mesmo acontece com “Penser L’Inacceptable”. Poderíamos e deveríamos (já lá iremos) destacar mais algumas, mas as já mencionadas são tão boas que bastaria existirem para que já valesse a pena ouvir e recomendar Rooting For Love. Mas depois há ainda a enérgica “The Inner Smile”, com aquela maravilhosa aceleração final e com a voz de Laetitia Sadier a lembrar o canto falado de Laurie Anderson. Maravilhoso! A leveza quase brincalhona de “La Nageuse Nue” é igualmente valorosa. Todo o disco tem a delicadeza que tantas vezes encontramos nos momentos mais interessantes de álbuns como Dots and Loops (1997), Cobra and Phases Group Play Voltage in the Milky Night (1999) ou Sound-Dust (2001), dos Stereolab. Aliás, Roots For Love poderia, de algum modo, ser um disco da banda anglo-francesa. E quando estamos próximos do fim, surge a lindíssima “Cloud 6”. O tema é viciante e parece rodopiar em volta do ouvinte, misturando vozes, vibrafones e electrónicas várias. Que final magnífico, acreditem! Arty, experimental e pop ao mesmo tempo.
Mesmo sabendo que ainda haverá muito tempo até dezembro, mesmo sabendo que nos iremos deixar seduzir por bastantes novos discos em 2024, é para já seguro que Rooting For Love se alinha como um dos belos trabalhos sonoros do ano. E nós, crentes na magia de Laetitia Sadier, sabemos bem que quando a sua mágica poção se espalha, os efeitos produzidos são intensos e duradouros. Vejamos o que ainda aí vem, mas não nos esqueçamos do que já foi feito até agora.