Numa altura de revivalismos psicadélicos e espaciais seria de todo redutor não referir um dos nomes que mais fez para ressuscitar um género tão cravado numa época específica e que pouco sentido fez a partir daí. O facto de não fazer tanto sentido não implica que o género não seja revisitado e tão bem emulado como os Kula Shaker o fizeram. A banda de Crispian Mills não se limitou a roubar riffs ou looks. Não. Os Kula Shaker roubaram um pouco de 1966-67, abraçando o misticismo e espiritualidade da cultura oriental trazendo-os para a britpop da metade dos anos 90. O resultado, embora de curta duração, foi esplendoroso. Como esquecer pérolas como “Hush” (excelente cover de Deep Purple), “Govinda” ou “Tattva”?
Em 1996, ano de lançamento de K, os Kula Shaker pareciam um ovni na indústria musical. O grunge tinha implodido dois anos antes com o suicídio de Kurt Cobain e pouco restava do tal movimento que nunca o tinha sido verdadeiramente. A britpop estava no auge. A luta titânica entre Blur e Oasis ainda estava nas parangonas dos tablóides ingleses, sedentos pelo sangue que os irmãos Gallagher prometiam tirar da banda de Londres. Mesmo considerando que os Radiohead já andavam por aí, eram os Kula Shaker que mais chamavam a atenção não só pelo seu som inusitado para época mas também por serem uma banda que abraçou a cultura oriental, especialmente a indiana, de uma forma que já não se via desde os anos 60. Tendo em conta que já se tinham passado trinta anos, este revivalismo foi quase como uma revelação para uma geração que não viveu a década do Verão do Amor original.
No entanto, os anos 90 não eram os anos 60. Aquele revivalismo trazido com K foi sol de pouca dura. Não só porque os tempos eram realmente outros mas também pela conjugação de vários factores. Comecemos por aí. A britpop desvaneceu-se tão rapidamente como surgiu. A guerra Blur-Oasis foi pífia. Após dois grandes discos, os Oasis começaram a sua queda até ao quase esquecimento, enquanto os Blur começaram a trilhar um caminho mais adulto e fora das guerrinhas adolescentes que tanto gozo deu aos manos Gallagher. O rock começou a ter outros caminhos, surgiu o grotesco nu-metal, começaram a criar-se nichos e a própria MTV achou que o que vendia mais eram os programas que nada tinham de música do que telediscos musicais que já ninguém ligava muito a menos que tivesse sangue ou mulheres bem despidas. Os Radiohead lançam, em 1997, Ok Computer e dão um pontapé final na britpop. Enquanto isto decorria, Crispian Mills, líder dos Kula Shaker entrava numa onda de arrogância e mania de que ele tinha descoberto a verdadeira espiritualidade e de que todos estavam errados. Só a sua música salvava. Não foi de estranhar que em 1999, quando a banda lança o seu disco de originais, Peasants, Pigs & Astronauts, já ninguém lhes ligou e o seu lugar na história da música estava definido e fechado. Seriam para todo o sempre aquela banda exótica que discutia lugares na tabela com Oasis e Blur.
Apesar de já ter tido pouca aceitação, o segundo disco dos Kula Shaker nada ficou a dever a K. Músicas como “Great Hosannah”, “Mystical Machine Gun”, “Shower You Love”, “Timeworm” ou “Sound of Drums” nada ficam a dever às melhores malhas do rock psicadélico e mereciam um pouco mais de respeito global.
Magoado com a fraca aceitação de Peasants, Crispian Mills decide dar uma volta à sua vida e abandona os Kula Shaker e forma os The Jeevas em 2002, banda que lançaria dois discos que 94% da população mundial não ouviu. Uma banda com um registo mais americano, esquecendo as raízes orientais dos Kula Shaker. Apesar de conterem algumas músicas interessantes, os dois discos dos Jeevas são esquecíveis e servem de coleccionismo para fãs de Kula Shaker e, principalmente, Crispian Mills.
O projecto Jeevas veria, naturalmente, o seu fim pouco tempo depois fazendo com que Crispian voltasse a tocar com os seus antigos membros dos Kula Shaker. A banda voltou a tocar ao vivo e, tendo sido a experiência tão positiva, resolveram entrar em estúdio para gravar mais um disco (Strangefolk), que acabaria por ver a luz do dia em 2007. O público não lhe ligou nenhuma. Víviamos a altura nobre do indie rock, onde bandas como Arcade Fire, Franz Ferdinand, LCD Soundystem ou Arctic Monkeys reinavam. Já ninguém queria saber dos velhotes do rock psicadélico.
Tendo aceite que já não faziam parte da “movida”, os Kula Shaker embarcaram na senda de fazerem discos para si próprios e para quem gosta do seu tipo de som. Daí nasceu Pilgrim’s Progress (2010). Um disco já mais em forma do que o anterior. Uma banda com um som mais coeso e com vontade de acrescentar algo ao panorama musical que parecia já começar a querer aceitar, uma vez mais, o seu estilo de som, vide Tame Impala.
No entanto, Crispian Mills e os restantes Kula já não jovens de 20 anos. E, não tendo tido o sucesso de outras grandes bandas que continuam sempre na estrada, a banda só se reúne esporadicamente, tendo demorado seis anos para gravar este K 2.0, vinte anos depois do seu disco inaugural.
Como já foi dito, os Kula Shaker há muito que deixaram de ser uma banda importante no panorama musical. E, parece-me, pouco andam importados com isso. Sabem que haverá sempre um pequeno lugar na História para eles e aceitaram-no. Curioso é o facto de a partir de 2010, com a chegada dos Tame Impala, o rock psicadélico começou a ganhar cada vez mais fãs, tendo atingido o pico há um par de anos com mais nomes como Temples, Unknown Mortal Orchestra, Foxygen, King Gizzard, Pond, Goat, Jacco Gardner, White Fence, Boogarins e até os nossos Capitão Fausto, entre muitos outros.
K 2.0 surge, então, mais como um piscar de olho às novas gerações, no sentido de dizer, “olhem aqui está alguém que já faz o que vocês fazem há bem mais tempo” mas não no sentido de ciúme ou inveja e de estarem mal com a vida. K 2.0 é uma celebração dos vinte anos de carreira dos Kula Shaker. Um disco que nos traz das melhores músicas da banda desde Peasants. “Infinite Sun”, faixa que abre o disco, traz-nos o melhor da banda de Mills. Sítaras, Tablas, misticismo. Podia fazer perfeitamente parte dos dois primeiros discos da banda. “Holy Flame” é o tal 2.0 de Kula Shaker. Uma banda adulta e madura a fazer o que gosta.
O resto do disco tem influências de Dylan (33 Crows) ou até de bandas que foram inspiradas pelos próprios Kula, como os The Coral, como se pode ver em “Death of Democracy”. “Oh Mary” traz-nos Paul McCartney a falar como se deve realmente viajar enquanto a banda nos traz o ragga rock de volta.
O disco não poderia terminar sem ter a grande música mística e oriental. “Hari Bol” é tão bonita que temos muita pena que só dure dois minutos. Merecia ficar horas em repeat.
K 2.0 nunca virá a ser falado para os melhores discos de 2016. Provavelmente nem dos melhores discos psicadélicos deste ano. Não deixa é de ser uma grande notícia ter os Kula Shaker em forma vinte anos depois do seu disco de estreia e saber que o rock psicadélico continuará sempre em boas mãos. Mesmo fora de moda…