Uma noite de celebração de muitas outras noites intermináveis, em que tudo parecia tão importante e definitivo, ao mesmo tempo que tudo tinha uma leveza de descoberta e de caminho pela frente.
Houve um tempo, ali no final dos anos 90, em que algumas coisas curiosas aconteceram. O grunge e a britpop tinham alimentado uma geração de putos, mas isso tinha vindo e ido. O trip-hop e a Björk começaram a seduzir a malta para sons mais electrónicos, numa altura em que no rock pouca coisa de interessante se estava a passar e se aproximava a passos largos a abominação do nu-metal.
E, de repente, as coisas mudaram. Vieram os Air, veio Kid Loco, vieram os Thievery Corporation. E veio, acima de tudo, um disco: K&D Sessions, de uma dupla austríaca de DJs chamada Kruder & Dorfmeister.
E foi nesse campo, em que a electrónica já não era estéril, em que as tribos estavam mais misturadas, em que os Jamiroquai mostravam aos putos vindos do rock que era ok dançar, que este disco em especial parecia estar em todo lado.
Uma altura em que os putos guedelhudos haviam cortado o cabelo, estavam na faculdade ou a entrar na vida do trabalho, começavam a viver com amigos e a experimentar essa coisa da vida adulta. Uma altura em que todas essas casas cheiravam a incenso e a ganza, os Adidas Gazelle eram os ténis mais fixes do mundo e as noites acabavam de madrugada, com cinzeiros a abarrotar, e alguém a fazer massa na cozinha enquanto outros tinham adormecido no sofá.
Este é o caldo que, pelo menos em Portugal, recebeu K&D Sessions, disco duplo de remisturas que os austríacos lançaram em 1998, mas que para uma geração – essa geração – continuou a fazer-lhes companhia durante muito tempo.
Foi para celebrar o 25º aniversário do disco que a dupla embarcou numa digressão de celebração, percorrendo sobretudo a Europa mas também partes dos Estados Unidos (e que já os havia trazido para várias datas em Portugal).
Foi essa digressão que encerrou este sábado oficialmente na capital portuguesa, na maior sala do Lisboa ao Vivo (LAV), praticamente esgotada, e desejosa de partilhar momentos e memórias.
A novidade da última parte desta digressão é que, além dos dois, contou com uma banda em palco. Baixista, teclista, percussionista e baterista, a juntar aos dois homens de meia-idade, lá mais atrás, a controlar as máquinas e, aqui e ali, a juntar notas de guitarra ou flauta.
O concerto em si foi bem sucedido mas algo morno. Havia, aliás, essa dúvida antes: como iria funcionar ao vivo um som sobretudo downtempo, que não puxa necessariamente à dança, e num contexto em que todas as pessoas tinham tratado este disco sobretudo como um magnífico pano de fundo de convívio social, mais do que como um acto super-concentrado de escuta.
O resultado é satisfatório mas não incrível. Os DJs não são extraordinariamente comunicativos (apareceram antes do registo David Guetta, felizmente), boa parte do material é pré-gravado (há sempre aquela estranheza de aparecer a voz de uma cantora e ela não estar no palco), ou talvez só não estivéssemos suficientemente alterados para simplesmente nos deixarmos ir no som (é, aliás, uma experiência estranha ouvir este disco sem fumar erva, como se um reflexo condicionado nos dissesse que falta ali qualquer coisa).
Ainda assim, foi um momento bonito, e de reencontro dessa comunidade de então. Uma geração que anda agora nos 40-50, que viveu muito ao som deste álbum, e que tanto aproveitou os momentos mais drum & bass para dançar como os mais calmos para pôr a conversa em dia e lembrar noites longas de outros tempos, em que éramos todos magros, ninguém tinha putos, o mdma começava a aparecer e nos sentíamos todos mais interessantes e cool por conhecermos Kruder & Dorfmeister.
Após um pouco menos de duas horas de concerto, a noite acabou. Mas valeu a pena, porque foi uma noite de celebração de muitas outras noites intermináveis, em que tudo parecia tão importante e definitivo, ao mesmo tempo que tudo tinha uma leveza de descoberta e de caminho pela frente.
Fotografias: Rui Gato















