Muito poucos meses depois do ótimo Mercy (2023), John Cale regressou aos discos. POPtical Illusion é mais um testemunho da grandeza do cérebro por detrás da mítica banana amarela de outros tempos.
Se é verdade que o recente álbum mantém algum do tom sombrio do seu antecessor, também é certo que uma ou outra canção mais pop, mais luzidia e dançante fazem deste trabalho um disco bem diferente de Mercy. Basta ouvirmos a excelente “Davies and Wales” para percebermos que essa canção se distancia um pouco do que o bom galês fizera mais recentemente. Há nela, aliás, algum tom que nos leva a crer que poderia ter feito parte de álbuns como Vintage Violence (1970) ou até de Slow Dazzle (1975), por exemplo. Esse ar retro fica bem num trabalho com canções que parecem, por vezes, vir de um estilo meio futurístico que assenta que nem uma luva na voz de Cale. John Cale é insuperável na criação de uma identidade sonora sombria e sonhadora, ao mesmo tempo. Talvez seja exatamente isso aquilo que o ex-velvetiano tem de mais interessante, de mais underground e que permanece intacto, ao fim de tantos anos de carreira. Ouvir a voz do grande e mítico bardo, como que perdida no fundo dos tempos, a cantar como quem fala, como se dizer e musicar palavras fosse exatamente a mesma coisa.
POPtical Illusion é um disco feito sem receios. Depois de tão extensa discografia e importância como nome de culto, seria ridículo se assim não fosse. POPtical Illusion é um álbum que apresenta 13 temas (15 na edição japonesa) muito coesos, com dois ou três que se destacam pelas melodias mais orelhudas (o já referido “Davies e Wales”, mas também “How We See The Light). Como o próprio John Cale declarou há tempos, não tem medo de errar, valendo mais uma ideia menos boa do que ideia nenhuma. E ideias não lhe vão faltando, uma vez que durante a pandemia recente, John Cale criou mais de oito dezenas de canções, ao que parece. Haverá, pelo que se depreende, muito mais para chegar. Veremos se assim será.
Mas voltemos a POPtical Illusion para reforçar factos que marcaram desde sempre a história da sua vida de compositor: a vontade curiosa de inovar, de fazer o que menos se espera que faça, de trilhar caminhos de difícil erudição, mas também da mais simples (aparentemente, claro) leveza pop. POPtical Illusion é ainda (e sobretudo, quiçá) um retrato sonoro de muitas camadas, de ruídos de maquinarias (sintetizadores, pianos, samplers) preocupadas em criar um ambiente por vezes quase claustrofóbico (a voz de John Cale é um instrumento perfeito para que isso aconteça), distorcido (ouçam “Shark-Shark” e perceberão o que queremos dizer), arrepiante.
Outra ideia que nos vem de maneira natural à cabeça quando ouvimos POPtical Illusion, é a de tratar-se de um álbum hipnotizante. “Funkball The Brewster” expressa esse estado como nenhuma outra, sendo um difícil mas excelente momento. “All to The Good”, a faixa seguinte, opera uma guinada tremenda a esse ambiente, voltando a uma certa luminosidade pop que encaminha o álbum até ao seu fim. E porque tudo na vida chega ao seu derradeiro instante, a canção que coloca um ponto final a POPtical Illusion é tremendamente bela. Trata-se de “There Will Be No River”. Aquela coda final ao piano dá vontade de chorar e de voltar ao início, vezes sem conta. Mesmo que não tenha sido criada para ser uma homenagem a Ryuichi Sakamoto (e não terá sido, estamos certos disso), o tema faz lembrar o saudoso músico nipónico, o hipnotismo (lá está) do seu piano, o jeito minimalista que tão bem conhecemos e gostamos. “We’ve been here so many times before”, canta Cale e “There Will Be No River”. E nós dizemos que saber criar tanta ilusão pop aos 82 anos, é obra! E mestra!