O Café de La Danse, em Paris, foi o palco do primeiro de três concertos na Europa de antevisão de Pure Comedy, terceiro trabalho discográfico de Josh Tillman sob o alter ego Father John Misty, a ser lançado no próximo dia 7 de Abril.
Tillman escolheu Paris, Amesterdão e Londres para uma apresentação singular do novo disco. Se I Love You Honeybear, de 2015, foi a rampa para a confirmação mundial do seu sucesso, um álbum quase conceptual sobre o amor, Pure Comedy aparece como uma proposta de intervenção, de denúncia do percurso do ser humano, preso num labirinto de consumismo, redes sociais, sobrevalorização da opinião e demais mazelas infligidas ao ego insuflado ou diminuído consoante o valor de mercado.
Numa sala pequena, com uma plateia de 150 pessoas, que adquiriram o seu bilhete numa lotaria no site do artista, o ambiente era descontraído, quase familiar e de alguma estupefação. No palco jazia uma guitarra e um piano. Os dois únicos instrumentos denunciavam o set acústico e sustentavam a sensação, cada vez mais crescente, de um concerto intimista.
Father John Misty subiu ao palco pouco passava das 20h30, acompanhado do pianista que apresentou como sendo o John, desejou as boas noites em francês mas avisou logo que iria conduzir aquele espetáculo em inglês porque as canções perdem quando ele as canta em francês. Conseguiu assim as primeiras gargalhadas da noite, abrindo caminho para uma tertúlia com fãs. Avançou com “Pure Comedy”, o single de apresentação do álbum que leva o mesmo nome e, no final, já com a vergonha deixada de lado, tinha pessoas sentadas no chão aos seus pés.
Avisou que era um concerto informal e pediu que lhe colocassem questões, sugerissem canções ou fizessem comentários. Uma versão ao vivo do que tinha feito no dia anterior ao regressar ao Twitter e incentivar os fãs a perguntarem o que quisessem que ele respondia. Rapidamente um chorrilho de vozes gritava perguntas na direcção do palco. A primeira que lhe mereceu atenção veio de uma voz feminina sentada no chão “Porque é que te vestes assim agora?”, de facto, Father John Misty deixou de lado os cabelos compridos e a barba, as calças e os casacos ajustados e apresentou-se como um Ned Flanders que conseguiu um papel no Miami Vice. Cabelo curto, bigode, calças de fato vários números acima, camisa larga de linho e uns loafers. “Estou interessado em toda a roupa que seja de linho”, disse, puxando as calças largas para cima sem o auxilio de um cinto, a reação não se fez esperar, “Pareces o meu pai!” ao que Josh retorquiu “Já tenho 35 anos, já estou a ficar velho, tenho algo de paternal”.
A conversa seguiu com “Qual é o teu pedaço de literatura preferido?” e sobre isso teve que pensar, não sem antes revelar mais um pouco de sarcasmo, “Tenho o pedaço de um livro algures… Talvez o “In Watermelon Sugar” de Richard Brautigan, mas dá-me umas músicas para pensar melhor na resposta”. Pegou na guitarra e seguiu com “Total Entertainment Forever”, tema escolhido para ser relevado no programa da TV norte-americana Saturday Night Live, e que causou polémica imediata ao sugerir o coito virtual com Taylor Swift logo no primeiro verso.
Seguiu-se “Things That Would Have Been Helpful To Know Before The Revolution” um manual distópico e pós-apocalíptico, qual Richard Brautigan. E saltavam músicas da cartola que nem coelhos, num ambiente de teste, como se as tivesse feito no quarto de hotel à tarde e tivesse a mostrar aos amigos perguntando-lhes a opinião. Alinhamento quase seguido, Pure Comedy foi ali depenado a cru, palavra a palavra. O sarcasmo onde se refugia foi rei mas não senhor, a muleta onde se amparava com mais firmeza brilhava com um brilho mais domado ou já vencida pelo cinismo. ‘“Birdie” tem uma história engraçada, um dia vi um pássaro a voar no céu, livre e pensei, fode-te!’. A meio da música engana-se e assume “É a primeira vez que a estou a tocar ao vivo, aliás, é a primeira vez que estou a tocar ao vivo quase todas as canções do álbum, por isso desculpem se isso acontecer mais vezes”. E aconteceu mais vezes e só tornou a intimidade maior e o momento que já de si era especial, ainda mais especial.
“Leaving LA”, uma das mais brilhantes peças do álbum, com uns ousados 13 minutos, leva o público ao delírio a cada linha, como Josh revelou no final, “Esta música ao início não era uma canção, era uma instalação de arte com 40 versos”
Entre tequilas que apareciam a rodos em cima do palco “A inveja de qualquer alcoólico”, troçava, foi varrendo o álbum. Em “The Memo” ironiza o marketing à volta da arte que nos paga para acreditarmos que é arte. E o andamento estava tão agradável que resolve tocar músicas antigas e atira-se a “Hollywood Forever Cemetery” de Fear Fun, álbum de 2011, um dos momentos altos da noite. Avança com “I Went To The Store One Day”, tema do anterior I Love You Honeybear que nunca chegou a tocar em Portugal mas que, curiosamente, é o tema que tocou em Paris, num café, para um vídeo da La Blogothèque e, mais uma vez, na cidade das luzes, tirou-a do escuro.
“So I’m Growing Old On Magic Mountain” era um dos temas que mais aguardei durante a noite e a sua chegada foi triunfal. Este hino de imaturidade, da perpetua imaturidade da segurança da infância onde o futuro não chega para nos envelhecer e fazer duvidar. Ninguém envelhece na Magic Mountain, o futuro não chega à Magic Mountain.
Mas o concerto tem um fim e ele chegou. E que balanço sincero podemos fazer? Josh Tillman redirecciona o seu alter ego noutro caminho, despiu-o da sua identidade estética, trocou-lhe as voltas, acalmou-o, segurou-lhe a anca. Mas com que propósito? Que caminho quer Josh Tillman dar a Father John Misty? Estará Josh Tillman a matar Father John Misty? Será Father John Misty somente um heterónimo e Josh Tillman é, afinal, o Alter Ego de Father John Misty? São demasiadas as questões que este artista nos suscita e a sua complexidade vai acrescentando aos anos perguntas. “Já sei, o meu livro preferido é o “Pnin” de Nabokov, foi uma das suas últimas obras, e eu gosto de últimas obras.”.
A tour com a banda começa em Abril mas, infelizmente, não passará por Portugal durante o Verão mas podemos alimentar a esperança e apostar numa surpresa para o final do ano.