Camadas e camadas de samples e loops, um piano aterrador. No passado domingo, ainda em ressaca do OUT.FEST, Dedekind Cut uniu esforços com Alex Zhang Hungtai para um concerto epifânico.
O clima era de desolação, de desintegração. Os dois cavaleiros do Apocalipse – que já nos tinham aparecido na capa de $uccessor, disco de estreia de Dedekind Cut – não se sentavam em cavalos mas traziam consigo meios transmissores de sons ora mais orgânicos ora mais sintéticos, sempre catárticos. Ao computador, Fred Warmsley (Dedekind Cut) lançava feitiços em forma de loops pastorais, como que ecos de um Deus esquecido. Ao piano, Alex Zhang Hungtai (ex-Dirty Beaches) deixava cair notas como gotas cheias de solidão. A junção dos dois elementos envolvia-nos numa perfeita sequência de Fibonacci, nós rodopiando num poço de céu, os ossos estilhaçados, feitos pó, massa, matéria maternal.
Lembrávamo-nos dos mestres Basinski e Eno, dos seus pianos tão singulares. A tal catarse era também simplicidade bela e ingénua, uma introspecção da qual não nos conseguíamos libertar, agrilhoados pelos infrasons que saíam das colunas directamente para o nosso peito. À medida que percorríamos o caminho sonoro – uns sentados, uns de pé, outros deitados – as referências e géneros diferentes iam surgindo, misturando-se. Dos anciãos ambientais passávamos ao mestre da contemporaneidade cibernética James Ferraro, sentido nos fragmentos de um mundo esquizofónico e hipercapitalista que desaguavam em paisagens new age.
A viagem pelo oráculo de Dedekind Cut terminaria sem darmos por ela, apenas confirmada pelo fechar do computador portátil e a retirada das mãos do piano. Saímos do aquário da Galeria Zé dos Bois zonzos mas elucidados, esmagados pela enorme estalada emocional e sonora. As palavras escasseavam, confinámo-nos ao retiro.