“Tentando encontrar pra quê eu vim” canta Chico Bernardes, paulista de 20 anos, em Me Encontrar, sexta faixa do disco homónimo que lançou no verão de 2019. Ao lado dos irmãos Tim Bernardes e Manu Pereira e do pai Maurício Pereira, ícones da música independente brasileira, cresceu rodeado de instrumentos e discos, tendo encontrado na música e o violão um meio para o seu fim. “O meu papel, a minha intenção enquanto músico é de trazer amor, acalmar”, assume em conversa com o Altamont, numa curta ligação intercontinental por video-chamada.
Gravado no estúdio Canoa, o longa-duração de estreia de Chico Bernardes foi produzido por Chico e Guilherme Jesus Toledo (sócio da discográfica da Selo RISCO). Acordava e ia para o estúdio, onde compunha o dia todo. As canções? “O amor serve como um íman de ideias”. Música como arma de amor, amor como resistência. É assim que Chico encontra o seu espaço para chegar a toda a gente. Afinal, conta o próprio, a canção só faz sentido se for “todo o mundo junto”: “O papel da música como resistência, como protesto, contra a homofobia, o racismo, serve para chamar a atenção para os povos indígenas, para a comunidade LGBT. (…) Estamos numa fase da história do Brasil muito assustadora.
“Chico Bernardes encontra-se na música – e em breve encontra-se connosco. Sete meses depois de editar um disco, veio a Portugal apresentar o álbum homónimo, no Musicbox, dia 4 de fevereiro. A cultura portuguesa não lhe é estranha: na mesa de cabeceira, Filho de Mil homens, de Valter Hugo Mãe, além de A insustentável leveza do ser (Milan Kundera) e as letras de Vinícius de Moraes, importantes para o seu crescimento. Tais leituras sussurram-lhe conselhos para tudo o que faz (até para a própria música) : “É preciso aprender a ler os seus próprios textos e músicas como se fossem os outros e não como o criador. A necessidade de desapropriação”, ensinamento que aprendeu com As Cartas a Um Jovem Poeta de Rainer Maria Rilke.
Apesar da sua relação com a música remontar à infância e aos batuques de violão do pai, foi no sarau da escola que deu os primeiros passos enquanto criador. Aos 15 anos, ganhou coragem para pegar numa guitarra e escrever canções. De casa de show em casa de show, foi crescendo. Em 2016, formou a banda Fernê, misturando “o seu mundinho arrumadinho” e limpo com o de outros mais e barulhentos musicalmente. Hoje, com 20 anos, é um novo fenómeno paulista, tanto a solo como em banda.
Em tudo o que toca, vê significado. Até num objecto: “é como se eu a recebesse quando fiquei e guardei os casacos da minha avó. Quando o visto, sinto o seu abraço. Como carrega uma sabedoria. Todos vamos guardando objectos que trazemos connosco e aos quais recorremos para nos lembrarmos o caminho e daquilo que veio antes de nós. Bebemos dessa força.” É por isso que, da mesma forma que veste os casacos da avó, não se importa de despir nas suas canções, de se mostrar vulnerável. É assim que se sente um verdadeiro rebelde, “num mundo sem graça sem nada para mostrar”. Chico Bernardes prefere entrar “dentro de si” e “parar de se reprimir”.
É sem se reprimir que entende para o que veio. E como diz a canção, “vai ser bom de mais”.