Nos passados dias 19, 20 e 21 de maio decorreu a sexta edição do Capote Fest que, ano após ano, riff após riff, insiste em colocar Évora no mapa dos festivais de música.
O Capote Fest é o fruto da dedicação hercúlea da Rita Piteira e do Alexandre Tavares, da Sociedade Harmonia Eborense (SHE) e de alguns bons amigos, todos empenhados em promover a vida cultural da região e em lutar para que a música moderna portuguesa fure os buracos da estrutura composta por playlists e programações musicais que tendem a atrofiar o talento e o alento de muitas bandas e músicos por esse país fora.
Ao longo destes dias foi possível testemunhar uma preocupação constante por providenciar aos artistas todas as condições – desde a qualidade do som e da iluminação, aos aspetos logísticos – como a dormida e a alimentação – até à visibilidade do evento e das bandas – para que estes pudessem mostrar a sua arte. O mínimo que se poderá dizer é que o conseguiram e a melhor prova disso foi o sorriso estampado no rosto de todos os presentes e o ambiente de festa que se viveu até ao limite da licença de “ruído” – que termo tão manhoso e tão fora do contexto…
Seguindo os seus princípios, o Capote Fest ofereceu-nos um cardápio musical rico e equilibrado, um verdadeiro menu de degustação capaz de satisfazer aquele tipo de amantes de música que se recusam a aninhar num único género.
Quinta-feira, dia 19
A entrada foi servida nas fantásticas instalações da SHE – em plena Praça do Giraldo – onde se mistura história e contemporaneidade. O cenário ideal para vermos e ouvirmos os Má Vizinhança, uma banda de jovens barreirenses cheios de potencial e de pica para o aproveitar.
O público que transbordou a sala foi presenteado com uma visão muito própria e atual do espírito grunge – na atitude e na influência sónica -, filtrado por quem conheceu os Alice in Chains e os Nirvana como nós, quarentões, conhecemos os Doors ou os Stones; e pela experiência hip-hop do vocalista Kyra. Que belo e inspirador início!
Sexta-feira, dia 20
No segundo dia, o Capote Fest assentou arraiais noutro edifício histórico no centro de Évora – a sede da SOIR JAA – Sociedade Operária de Instrução e Recreio Joaquim António de Aguiar.
A abrir (também literalmente), viajámos do Barreiro a Redondo, de Seattle à Bay Area, para desfrutar os Mindtaker – uma banda com um currículo de respeito e uma máquina muito bem oleada de distribuição de malhas em que o thrash clássico se junta ao crossover de forma imaculada. Os Mindtaker colocaram todos, independentemente do tamanho do cabelo ou do tipo de indumentária, a abanar a cabeça e a bater o pé. Ninguém escapou ileso, e isto no melhor dos sentidos.
E do mosh pit passámos à sala de estar, da revolta passámos ao sonho. Apesar da mudança radical de registo, e de uma ligeira timidez resultante desta ser apenas a sua sétima apresentação ao vivo, a verdade é que os Eigreen conseguiram transportar o público presente para outras paisagens e para outras coreografias.
A banda de Coimbra encheu a sala com uma variada paleta de recursos: três vozes muito interessantes, o acústico bem casado com o eletrónico, variações de ritmos e registos. Tudo meticulosamente preparado, temperado e servido nas doses certas. Os Eigreen prometem, e muito. Toca a segui-los!
A noite avança, a festa sobe de tom. Os Noves Fora Nada conseguem aproveitar a vibração da melhor forma possível e tornam a sua atuação numa celebração. Mais soltos do que é normal, não perderam o entrosamento e notou-se a comunhão com a audiência. David Jacinto entrou ainda mais em cada frase cantada do que é costume, nos seus mais variados registos, timbres e intensidades. Como diz a música, os Noves Fora Nada pegaram nos discos apanhados pelos mais diversos recantos e cantam e tocam a sua versão muito própria e distinta do rock alternativo impregnado de portugalidade.
Seguem-se os 10 000 Russos, que fecham o cartaz de sexta. Nova banda, nova transformação, novos sabores. Mantém-se o mais importante, a celebração e a comunhão com a plateia. O formato canção desagrega-se, o ritmo e a voz mantêm a ligação à terra, a guitarra e as máquinas fazem a sala viajar. Apesar do calor alucinante, ninguém arreda pé, ninguém fica quieto. Foi muito boa a viagem pilotada pelos três músicos do Porto!
Sábado, dia 21
Coube aos locais Sigma abrir as hostes no último dia de Capote. A sala encheu e voltou a aquecer com o rock progressivo pleno de corpo e peso. A jogar em casa, os Sigma conseguem agarrar o público desde o início, deixando muitas pistas para a evolução da banda com este novo alinhamento.
E como as guitarras, a bateria e o baixo se sentiam sozinhas, a banda que se segue – O Marta – traz para o palco um manancial de instrumentos – dos mais tradicionais aos mais modernos – e um conjunto de vozes que encantam, ora juntas, ora separadas. O Marta consegue fundir a tradição beirã com a sensibilidade indie contemporânea de forma convincente, recorrendo a arranjos riquíssimos, a um ritmo contagiante e a uma verdade interior; até porque “cantar sem sofrer não pode ser fado”!
De Lisboa vieram os Galgo, que pegando na mesma riqueza instrumental e de arranjos, muda-a para uma roupagem diferente e até complementar. Parece magia como se pode pegar num conjunto de ingredientes de primeira categoria – pós-rock, jazz moderno, dance-rock e afrobeat, entre outros -, colocá-los numa liquidificadora e o resultado saber bem, muito bem! Ao princípio estranha-se … e depois dança-se até não se poder mais. Os Galgo fizeram a festa, o público apanhou as canas e a sala delirou!
Ainda a sentir o impacto da explosão Galgo, veio a implosão Process of Guilt. Primeiro começa-se a sentir na planta dos pés, depois vai-se espalhando por todo o corpo! Avassalador, para além de lugar-comum, é pouco para descrever o poder sónico e, fazendo jus ao nome do álbum acabadinho de estrear, solar do quarteto mais pesado de Évora (e largos) arredores. Apesar de jogar em casa, não há complacência, o doom dos Process of Guilt arrasa a sala por completo durante todo o alinhamento, colocando o ponto final perfeito no alinhamento do festival.
Depois disto, ninguém estava pronto para ir para casa e tal como aconteceu nos fins de noite anteriores, e entre os concertos de sábado, João Parreira e Dina animaram as hostes, alimentando as brasas até à malfadada licença acabar.
Este relato nunca poderia fechar sem uma menção ao apoio da Câmara Municipal de Évora e um forte agradecimento ao esforço e ao excelente trabalho dos técnicos do Capote Fest, Diogo Tavares, Yoann Crochet (som) e João Pedro (luz) e ao Fernando Mendes (técnico de Process of Guilt)
O rock português está vivo e recomenda-se!
Fotografia: Rui Gato