Capa preta, título sombrio, caveira sinistra: algo nos diz que I See a Darkness não será um projecto paralelo dos Beach Boys.
Pomos o disco a girar e o nosso palpite revelou-se certeiro: onze temas folk arrastados e melancólicos, cantados por uma voz magoada e vulnerável. Veredicto: ao pé do seu quase-country-quase-gótico, Bill Callahan e os Silver Jews parecem salsa latina.
As melodias são bonitas e tristes como a chuva a cair. O piano – tão singelo que parece ser tocado por uma criança de três anos – chora também. O baterista, com medo de magoar os tambores, toca sempre baixinho. No tema-título, com os seus silêncios tão longos que nos dão cabo dos nervos, intuímos que nem mesmo os nossos amigos mais próximos conhecerão alguma vez o nosso âmago mais sombrio. O mundo interior é pessoal e intransmissível e, se calhar, ainda bem. A ideia dos nossos demónios passearem nus pelo centro comercial não é agradável.
Mas talvez as coisas sejam mais complicadas do que parecem…
“A Minor Place” tem a candura de uma canção infantil, transportando-nos para um tempo em que tudo era mais simples e feliz.
“Death to Everyone”, com os seus dois acordes sombrios e a sua fantasmagórica guitarra eléctrica wah-wah, tem mais humor – por negro que seja – do que miserabilismo: “a morte para todos / há-de chegar / torna a fornicação/ muito mais divertida”. Google Translator: a vida são dois dias, é aproveitá-la antes desta merda ir toda pelos ares.
E tão mal afamado disco acaba, afinal, com um travo bem soalheiro. Falamos da delicada “Raining in Darling”, quando a chuva para e alguém que nos ama nos espera lá fora (violinos melosos em fundo!). O macambúzio Bonnie gosta mais da “Música no Coração” do que está disposto a admitir.
É esta complexidade – onde luz e escuridão andam sempre de mãos dadas – que torna esta obra tão humana e fascinante. O sexo e a morte a brincar ao toca e foge.