A Pointlist fez dez anos e para celebrar o feito, convocou uma dúzia de bandas e um punhado de DJs para, durante três dias, dar música a quatro salas espalhadas pelas capitais do Alto Alentejo.
Não sei se será da condição humana ou da condição lusitana, mas é comum que as conversas sobre a cena musical nacional redundem em queixas: já não é como dantes, já não há espaços, está tudo ocupado pelos turistas e quejandos. Quando me vejo enredado neste nó, sinto uma dissonância brutal. É que se por um lado, todas estas dificuldades me parecem bem reais e, infelizmente, quase determinadas à nascença pela minúscula dimensão do nosso mercado; por outro, eu acabei de chegar a este mundo … e para além de, muito naturalmente, tudo me parecer novo, esse mesmo tudo também se mostra entusiasmante e excitante … e esse tudo parece trazer todos uns dias um bom punhado de gente com doses reforçadas de ganas, energia e resistência para fazer música, para organizar concertos ou simplesmente para espalhar a palavra.
No passado sábado voltei à casa onde há dois anos e meio me lancei às feras do jornalismo musical, pela mão de dois heróis eborenses cobertos num Capote. Desde então tenho voltado a esta cidade com uma regularidade, com que nunca tinha imaginado, para ouvir, fotografar e tentar relatar e divulgar a música de dezenas de bandas mais ou menos underground, mais ou menos emergentes. Dois anos e meio depois voltei à idiossincrática sala da SOIR JAA – Sociedade Operária de Instrução e Recreio Joaquim António de Aguiar – e fui igualmente super bem recebido por outros campeões alentejanos a celebrar o seu décimo aniversário! Muitos parabéns, Pointlist … e muito obrigado!
Infelizmente, a minha experiência da edição de 2024 do Black Bass Festa foi demasiado curta. É que, se compromissos profissionais só me deixaram viajar para Évora no sábado, uma gigante meretriz de uma dor de cabeça mandou-me para a cama precocemente, logo após a atuação dos Veenho.
No entanto, o que vi, o que ouvi e o que senti … foi mais do que suficiente para encher a alma!
A festa foi lançada pela loucura delirante da dupla maravilha de DJ Lava Gull e Turbo Tudor. Não sei se eram Tudor, Duracell ou marca branca de hipermercado, mas não houve maneira de esgotar, ou sequer de esmorecer, as pilhas daquele par! Durante mais de duas horas, a dupla distribuiu cocktails molotov sónicos que elevaram o mercúrio do termômetro uns bons vinte graus excelsos do gelado sunset alentejano! Não satisfeitos, mais tarde, preencheram as pausas entre bandas com bio combustível melómano de 98 octanas!

O duo Girls 96, composto por Paloma Moniz e Ricardo Gonçalves, atraiu os corpos dançantes do meio da sala da Soir para a boca do palco. O seu electropop equilibra de forma muito interessante momentos mais suaves e lânguidos com ritmos mais acelerados, enfeitiçando olhos e ancas, com os temas do EP 1996 (editado no início deste ano), sobretudo com a bamboleante e punky “Ficas no chão” que, na minha opinião, marcou o ponto mais alto da sua atuação.

Os Bad Tomato agarraram o ambiente deixado como testemunho pelas Girls 96, e acrescentaram-lhe uma sonoridade indie rock, muito próxima da nova onda post-punk que temos tido a chance de surfar nestes últimos tempos. Mais soltos que há poucas semanas a abrir para os Heavy Lungs, o quarteto lisboeta dançou e não descansou enquanto a dança não se espalhou para o resto da SOIR, o que verdade seja dita, não demorou muito. O EP Bark está aí fora, bem fresquinho. Vão lá ouvi-lo, sff!

E que tal uma guinada até ao noise experimental dos Penumbra? Sim, definitivamente! … até porque não foi assim tão de repente. O trio nortenho até começou com uma calmaria estranha … em jeito de descompressão … para nos preparar para o ataque sónico que nos esperava. Um caos organizado apoiado na guitarra cortante de Diogo Neto e no baixo deambulante e de tons super graves do outro Diogo (o Malcata) e projetado pelo poder com que Miguel Ribeiro atacou aquela bateria … onde, por vezes, surgem vocalizações (Malcata) que nos trazem um pouco à memória o registo dos seus conterrâneos Sereias.

E como a intensidade e o experimentalismo podem vestir as mais diversas roupagens … a atuação seguinte deixou-os lá bem em cima do palco, despidos de instrumentos e praticamente de luz, para uma atuação avassaladora das Agressive Girls. Hip Hop, Punk, eletrónica dissonante e muita luta misturados de forma explosiva. Na sala, olhos vidrados, corpos vibrantes e gargantas em ebulição … e mosh! Dakoi e Diana XL editaram em janeiro o seu primeiro EP (Agressive Girls) que merece ser ouvido com muita atenção e, ainda mais, experienciado ao vivo!

Lofizera é o disco tuga de 2023 que mais gostei em 2024! Sim, demorou a entrar e a culpa é minha, mas depois entrou para não mais sair … sobretudo após aquele concerto no Barreiro, no já distante mês de março. Por essa razão, a atuação dos Veenho era, confesso, uma das que mais ansiava para esta noite … não fora aparecer a malfadada dor de cabeça. Eu juro que a tentei combater, e nisso o encanto das composições do quarteto lisboeta foi servindo de analgésico … mas no fim, a maldita enxaqueca foi mais forte do que eu e sobrepôs-se até ao belo fuzz dos Veenho.

Infelizmente não pude ver pela primeira vez os El Senõr (outro disco do ano passado que rodou muito cá em casa) ou Conferência Inferno, nem voltar a curtir ao som e à magia dos 800 Gondomar. Fica o lamento, mas fica muito mais o contentamento por poder, mais uma vez, testemunhar a pica e a dedicação de muitos que continuam a eletrizar os nossos sentidos!
Fotografias: Rui Gato





























