B Fachada sentado ao piano, como prometido, percorreu a sua obra e encheu a sala de emoções várias, ora pela ternura, ora pelos dedos nas feridas.
B Fachada não faz muito alarido. Quando aparece, fá-lo sorrateiramente, sem grandes anúncios e com a sobriedade que caracteriza os génios que não se querem levar demasiado a sério. De repente, um concerto ao piano. Acorre-se à bilheteira, que esgota sempre, porque nunca se vê B Fachada vezes suficientes, porque um concerto nunca é igual a outro, porque são sempre murros na alma e abraços no estômago. Um artista tão prolífico e tão certeiro em todos os seus lançamentos goza dessa disponibilidade de catálogo e de amor incondicional por parte do seu público.
Ouvi dizer-se na fila para entrar “Como será o B só ao piano?”. Será como de qualquer forma. O B pode. Os seus concertos são sempre intimistas, independentemente do aparato que decida trazer consigo. Porque o que o sintetizador acrescenta, a voz transforma bem; o que a braguesa traz, o público completa. O importante está sempre presente: o tom simultaneamente divertido, dedicado, apaixonado, crítico e sem subterfúgios a que nos habituou.
Uma primeira parte surpresa aqueceu o palco, enquanto o público elegia o seu lugar e se aninhava no espaço pequeno do Titanic. Nathaniel Stewart aterrou em Lisboa vindo da Califórnia e cantou as suas simples canções de desamor para uma audiência que estava mais interessada no que viria depois, mas nem por isso quebrou o entusiasmo de cantar para uma plateia composta. Simpático, esticou as três canções combinadas para quatro e lá anunciou o nome da noite.
B entrou a sorrir aos fortes aplausos que se faziam ouvir, sentou-se ao piano, seu companheiro de concerto e, com a impressionante “Deus, Pátria e Família”, abriu as hostes. Não tendo sido tocada nos seus 20 minutos de composição, entusiasmou desde logo a plateia e desestabilizou qualquer tentativa de seriedade quando, a meio, foi chamado ao palco Sancho, um dos três filhos Fachada, que se juntou ao pai nos acordes. A sua timidez e postura muito direita contrastante com a pose do pai enterneceu as palmas, provavelmente as mais entusiasmadas da noite.
O namoro com o piano estava mais do que à mostra e ainda só tínhamos começado. De 2011 fomos para 2020 e a “Lambe-Cus”, que toda a gente inaugurou ao ouvir as primeiras notas, seguiu o mote lançado. Daí, viajámos um pouco por toda a discografia de B, entre o Criôlo (2012), os três homónimos (2009, 2011 e 2014) e ainda Viola Braguesa X (2018) e B Fachada É Pra Meninos (2010).
Entre a provocação de “Dá Mais Música À Bofia” e de “É Normal” e a conversa que se ia fazendo por causa das “músicas de dois acordes”, “Cada Um” e “Tó-Zé”, a “Só Te Falta Seres Mulher” pôs a plateia a cantar em uníssono e “Responso Para Maridos Transviados” puxou(-me) mais do que uma lágrima. Todas cantadas só ao piano, como prometido, todas enchendo a sala de emoções várias, todas tocando na saudade de uns, nas memórias agridoces de outros, todas mexendo com os corpos em movimento, ora pela ternura, ora pelos dedos nas feridas. Um concerto de B Fachada.
Os aplausos iam ficando cada vez mais fortes. Para o encore, “Natureza Radical” e “Afro-Xula”. Para o encore do encore, “Como Calha”, porque ninguém deixa uma sala esgotada a bater palmas efusivamente sem responder com o mesmo respeito. Pelo público, tínhamos ficado eternamente naquele mundo simplesmente rico de letras e texturas próprias cantadas e tocadas em fachadês, que surpreendem sempre por parecerem tão fáceis de tão bem pensadas. Foi um concerto de B Fachada, com toda a dimensão da afirmação.
Setlist
Deus, Pátria e Família
Lambe-Cus
Quem Quer Fumar com o B Fachada
Crus
BalaDona
Dá Mais Música À Bofia
Responso Para Maridos Transviados
É Normal
Está Na Hora Da Passa
Cada Um
Tó-Zé
Só Te Falta Seres Mulher
Natureza Radical
Afro-Xula
Como Calha
Fotos em atualização