Na noite de 16 de setembro, Lisboa respirou música, amor e liberdade no Clube B.Leza, durante o espetáculo emocionante de Anees, rapper e cantor americano-libanês-palestiniano.
Só a sua presença em palco carrega um peso simbólico: ser descendente palestiniano num momento histórico marcado por violência e injustiça acrescenta uma dimensão política e humana à sua música.
Mas recuemos um pouco, antes de Anees subir ao palco, foi a vez de Finn Askew. Pálido e ruivo, como ele próprio se descreveu, passou o dia a esconder-se nas sombras do intenso final de verão lisboeta. Ainda assim, não foi o calor dos holofotes que o intimidou. Alternando entre o rap e canções pop muito açucaradas e românticas, acompanhado por uma backing track e, na maior parte do tempo, com a guitarra nas mãos, Finn ofereceu um concerto honesto e certeiro ao público da noite. A meio do espetáculo, com 16 Dogs, tornou-se evidente que a plateia estava completamente rendida. Já Roses, interpretada de forma inteiramente acústica, encerrou a breve atuação, deixando o público a pedir mais.
O que eu ainda não sabia era que o público já abraçava Anees antes mesmo do concerto começar, naquele que seria o último espetáculo da digressão. Rapidamente se tornou claro que a noite seria sobre positividade e amor — um exercício terapêutico e coletivo de libertação dos demónios.
O carinho do público lisboeta por Anees, e a sua reciprocidade, era inegável. Repetiu várias vezes o quanto estava surpreso e feliz por aquele ter sido o melhor concerto de toda a digressão. Eram muito poucas as vozes que não acompanhavam cada canção do alinhamento, com destaque para “Slip”, “My Girl”, “Alone”, “Leave Me” e o trio de temas que encerrou o espetáculo. Anees chegou mesmo a oferecer prendas a quem cantasse mais alto nessas últimas três músicas, mas a proposta revelou-se inútil: era impossível aumentar ainda mais os decibéis dos fãs. Com “Sun and Moon”, que encerrou o alinhamento principal, uma daquelas canções que parecem familiares mesmo a quem não sabe bem de onde, Anees fez a sala vir abaixo. Muitos estavam ali por este momento.
Ao apresentar duas canções do seu próximo álbum, “Beautiful World” e “Baddiess”, pela primeira vez ao vivo, Anees conseguiu, com esta última, o raro feito de transformar uma faixa totalmente desconhecida para o público num momento em que o refrão foi cantado e dançado com enorme entusiasmo.
A banda que o acompanhou esteve impecável: um trio composto por guitarra, baixo/teclado e bateria, com especial destaque para o baterista e para Kevin Spears, baixista, teclista e produtor de Anees. Este último chegou mesmo a encantar o público com a sua voz. Vale dizer que o concerto não foi apenas de Anees; toda a banda se entregou por completo, contagiou a plateia e assegurou que a energia se mantivesse em alta do início ao fim.
Como era de esperar de um artista com descendência palestiniana, houve vários momentos de silêncio, pesar e olhos marejados. Em “Alone”, Anees explicou que a tinha escrito depois de dois anos a sentir-se isolado e profundamente só. Mas, depois de alguns versos, mostrou-se longe de estar sozinho: deixou o holofote sair dele e iluminar a banda, com Kevin Spears a cantar e a provocar arrepios — no que posso só assumir que foi sentido por todos. “Kiss My Wounds”, por sua vez, deve ter arrancado lágrimas a muitos.
How many angels have to die for you to cry?
Under that Gazan sky, there is no hope for mercy
How many fathers cry themselves to sleep at night
Closing their daughter’s eyes, kissing one last goodbye
Como ele próprio afirma, o que mais importa é a libertação de toda a humanidade, e a resistência é justificada sempre que há opressão.
O concerto terminou com “Rise Up”, numa versão muito mais intensa e agressiva do que a do álbum deste ano, HOMEsick. Anees assumiu o papel de frontman punk a clamar pela libertação da Palestina.
Texto: Fernando Chovich | Fotografias: Felipe Kido






















