Os The Smiths, como toda a gente sã sabe, foram a melhor banda dos anos 80, taco a taco com os Pixies.
Para mim, com os meus 35 anos feitos há dias, chegaram e foram-se cedo demais. Quando existiam, eu não sabia; depois de acabarem, sabia que haviam existido, mas não sabia (que animal!) que precisava deles ainda assim. Quando os descobri, felizmente/infelizmente continuava a sofrer de uma adolescência tardia, pelo que fui muito a tempo de encontrar uma banda sonora à altura.
Chegou-me – como tanta coisa boa nessa altura – numa cassete. Pertencia ao irmão de um bom amigo meu, e a cassete nem lhes era dedicada. Aos Smiths, aos grandes Smiths, nem lhes coube essa honra. Eram só umas quatro músicas no espaço que sobrava de fita, a seguir, creio, a um álbum qualquer de Cure. Curiosamente, em 1989, Morrissey referia-se aos Cure como “a new dimension to the word ‘crap'”.
Num dia qualquer, não rebobinei a fita (vão ver ao youtube, putos) e deixei a cassete tocar até ao fim. Fiquei agarrado. Primeiro, necessariamente, a voz de Morrissey. Uma voz quente, bonita e sempre na fronteira de ser chorona, conseguindo sempre escapar-lhe. E depois as letras, complexas, literárias e sempre impregnadas de uma dicção digna de um professor de literatura inglesa. Depois as guitarras (uma apenas, na verdade), uma cama sonora aparentemente simples, o sol feito de cordas. E então, após posterior investigação, o regresso às letras e ao que elas diziam da minha vida.
O verdadeiro segredo dos Smiths foi – sempre com base em música do melhor – apelar a toda a gente. Enfim, a toda a gente que é adolescente (dentro ou fora do prazo previsto), frustrada, melancólica, desesperançada, inadequada. Ou seja, 80% dos bons consumidores de música. Conseguiram fazer o que o punk não conseguira: meter putos de óculos e sem experiência sexual a ouvir a banda sonora da sua vida. Era mais fácil ler livros e não ter namorada do que deixar tudo, meter uma crista na tola e uns picos na cara e ir andar à porrada. Os Smiths fizeram nerd ser cool. E foram provavelmente a única banda de que gostei que era ainda menos estilosa que eu.
Agora vamos à parte do “Recomenda”. Não há disco novo, obviamente; não há reedições, nem dvds, nem tournés de reunião. Acabaram em 1988, e acabaram mesmo. Portanto, quero falar duma revista, o que me parece absolutamente pertinente num site de música.
Os nossos amigos da magnífica Uncut acabam de editar mais uma das suas revistas especiais (a anterior, igualmente imperdível, era dedicada aos Beatles), desta feita sobre os Smiths. Para quem não conhece o género, é-nos dado: todas as entrevistas dadas durante a carreira pela banda ao NME ou Melody Maker, na íntegra; novas críticas a todos os discos (apenas quatro de originais puros); novas críticas a todos os discos a solo de Morrissey (que renasceu artisticamente na última década) e a todos os projectos de Johnny Marr, o genial guitarrista que compôs todas as notas alguma vez gravadas pelos Smiths. Mais tudo e um par de botas. Um luxo, melhor que qualquer biografia, e tudo isto por 11,95 euros. (Há na tabacaria à entrada do Saldanha Residence, pelo menos).
O que fez esta revista por mim, humilde leitor? Levou-me a descobrir a faceta de Morrissey (provavelmente o melhor letrista de toda a música rock/pop de sempre) enquanto pensador, provocador e delicioso idiota de serviço; a apreciar ainda mais Marr, que explica a relevância dos Smiths com o facto de ser preciso derrotar os Wham e os Culture Club e com a frase “fazíamos rock com arte lá dentro, e não aceito que me digam que isso é estranho”; e levou-me a reouvir todos os seus discos, o que tenho feito alegremente durante a última semana.
Se este texto vos levar a um décimo disto, my job is done.