Penelope, a mulher de armas da mitologia grega que, contra tudo e todos, esperou para que o seu Ulisses voltasse da guerra. Apaixonada, levou em frente o seu desígnio, não deixando que nada a travasse. Esta é a Penelope grega. Mas também poderia ser Penelope, o álbum de estreia da nova cara do pop português: a cintilante Ana Miró, mais conhecida por Sequin. Pelo seu arrojo, paixão e humildade, este exemplo bonito de homonímia prova que a nova música portuguesa está bem encaminhada para aos poucos se ir tornando digna de uma mitologia própria.
Foi para saber mais sobre Sequin e o seu espirituoso novo trabalho que fomos conversar com a Ana, que, por entre órgãos de Igreja e lantejoulas, nos deu a conhecer este seu mundo muito particular.
Altamont – Sequin significa “lantejoula” em inglês: de onde nasce essa associação com a Ana Miró de todos os dias?
Sequin- Eu gosto imenso de lantejoulas (risos), não uso muito, mas tenho um ou dois trapinhos que têm lantejoulas. Mas a origem em si é a letra da “Beijing”, comecei a falar disso na letra (numa parte que por acaso acabou por nem entrar na versão final da canção) e quando foi para escolher o nome, achei que tinha muito a ver com a música que estava a fazer, com muitos brilhos e coisas cintilantes. Por isso achei que fazia sentido.
Acaba por ser então o teu alter-ego, a Sequin. Em que aspeto é que ele difere da Ana?
Não sei, acho que até é muito pouca. Talvez Sequin seja mais bem-disposta do que a Ana Miró normal. Mas acho que não existe muita diferença, não é bem uma personagem que eu crio. Surgiu mais, quase, para não dar o nome próprio ao projeto, até porque gostava, dentro do possível, internacionalizá-lo, e com o meu nome próprio talvez fosse mais complicado.
Começaste a ganhar visibilidade no mundo da música com os Jibóia para estares hoje, neste projeto a solo. Até chegares ao Óscar, que caminhos percorreste?
Eu comecei a estudar música aos cinco anos, numa escola de música normal. Na altura lembro-me de que o que queria mesmo aprender era piano, mas não me deixaram. Em vez disso, estudei uma coisa muito estranha, que nem sei até se ainda se estuda cá em Portugal, que é órgão de Igreja. Daqueles que tem pedais, em que fazes os baixos com os pés e tudo isso: ainda estive com isso algum tempo. Depois mudei-me para o conservatório, com 12 ou 13 anos, para finalmente aprender piano e depois comecei a ter bandas. Apesar de serem quase sempre ligadas ao rock e ao pop, a primeira de todas tinha uns laivos de bossa nova num registo acústico. Houve depois uma altura em que parei: continuei a fazer música, sozinha e sem mostrar nada “cá para fora”, até que o Óscar Silva um dia convidou-me para fazer um cover da Gal Costa para tocar no Milhões, e pronto. Foi assim que comecei a tocar com ele. A partir daí, não sei se não veio do próprio Óscar, que estava habituado a fazer música sozinho há algum tempo, mas comecei a pensar em fazer algo a título próprio, noutra área, e assim foi.
De Jibóia para Sequin ainda vai um salto de registo grande, em qual dos dois géneros te revês mais?
Eu gosto de tudo, são coisas muito diferentes e eu sinto-me em casa em qualquer uma delas. Gosto muito dos dois, mas por mim, até fazia sempre um pouco de tudo um pouco. Mas é óbvio que Sequin é emocionalmente mais ligado a mim.
E em relação ao Penelope, o teu novo álbum. Como o descreverias?
S- O álbum em geral está na onda da eletrónica. São canções de autor, muito ligadas às minhas experiências pessoais, e todas bastante dançáveis e um bocado melancólicas ao mesmo tempo.
Penelope disco nasce de uma associação com a Penelope mitológica, mulher do Ulisses que ficou à espera que ele regressasse a casa durante anos. Tiveste de esperar muito para alcáçar a oportunidade de fazer este primeiro trabalho?
Um bocadinho… só toda a minha vida até agora, basicamente (risos)
Mas foi um processo fácil passar do conceito ao disco real?
Não, foi bastante aleatória, até. Comecei a fazer as músicas, que acabaram por cair todas na mesma imagética da “Beijing”, numa onda oriental e estranha, mas ao mesmo tempo com uma sonoridade um bocado anos 80. Depois isso acabou por fazer sentido e por se tornar uma numa realidade bastante coesa. Não era suposto ser logo um álbum completo, mas um EP, até que depois começou a fazer-me sentido juntá-las todas como marco de uma primeira fase, que é aquela fase da espera. Uma fase em que trabalhamos na música constantemente e só mais tarde conseguimos algum retorno, a vários níveis.
Dizias que o álbum tem uma parte um bocado melancólica, mas isso pode passar despercebido precisamente pelo facto de ter uma sonoridade tão energética. Falamos de uma melancolia escondida então?
Eu quando faço as músicas, faço-as de uma forma muito intuitiva, nunca penso muito no que vou dizer. Em geral, quando componho, sai sempre primeiro a parte melódica e a letra vai acompanhando e depois, daquilo que me sai espontaneamente, moldo para ficar com “pés e cabeça”. Mas em geral cai tudo um bocado nisso, a “Flamingo”, por exemplo, têm uma sonoridade muito up, mas a letra é muito triste. Têm a ver com um ganhar de consciência de que as coisas não estão bem.
É uma maneira, então, de exorcizar sentimentos maus de forma positiva?
Sim, exorcizar coisas más mas com ritmos fixes. Tirar o peso de cima a dançar.
O teu blog, o Conception Rouge, têm alguma ligação com a Sequin?
Sim, tem muito a ver. Aquilo que eu escrevo em português às vezes transponho para inglês, não diretamente. Pego muitas vezes nas temáticas de coisas que escrevi lá atrás e que fazem sentido hoje, para as transpor para uma música. Eu escrevo muito, em português e em Inglês, e normalmente as letras vão sempre buscar coisas a textos meus em português. Eu não consigo cantar em português, faz-me confusão. Não sinto que escreva suficientemente bem para o conseguir transpor uma ideia ou uma sensação para uma coisa escrita.
É mais fácil cantar em inglês?
Claro que sim. Se eu cantasse em português tinha de escrever muito bem, tudo tinha de fazer muito sentido. Acho que a parte melancólica e agarrada ao passado da minha música é muito portuguesa, mas ao mesmo tempo também há muito british pop pelo meio. O inglês, talvez por ser menos rico que o português, simplifica as coisas. Por exemplo, quando tu queres fazer uma metáfora, é mais simples fazeres em inglês do que em português, a música “Mercúrio” e prova disso: fala de um amor no espaço, tudo cheio de estrelas, foguetões e planetas. Fazendo essa associação mas em português ia soar um pouco parvo.
Falaste também de influências orientais neste álbum. De onde vêm elas?
“Beijing” foi a primeira música a nascer neste álbum e apareceu por acaso, e tornou-se um bocado um ponto de partida para a imagética “Sequin”. Hoje existe uma grande troca de experiências e culturas entre o oriente e Portugal e eu senti que está muito presente aqui, agora. Na altura, ainda por cima, estava a viver na zona dos Anjos, onde existe imensa interculturalidade e isso fascina-me. Talvez me tenha mesmo servido de inspiração.
E construir o Penelope no meio do mundo Discotexas deixou alguma marca?
Sente-se a mão do Luís, sem dúvida. Eu tinha um pouco de receio que ficasse muito semelhante ao registo deles, mas aconteceu o contrário. O Moulinex respeitou aquilo que falamos antes de começarmos a gravar e acho que ele também tinha vontade de fazer uma coisa fora daquilo a que estava habituado. Óbvio que há pontos de contacto, mas acho que fhá um ponto de separação mais forte. Resultou perfeito.
E concertos para breve?
Vou ter os concertos de apresentação, dia 8 de maio no Musicbox e dia 23 de maio no Passos Manuel. Entretanto hei-de andar por Braga, Fafe, Bragança e a Queima de Coimbra.
Os concertos de apresentação serão para mostrar o álbum, basicamente, e no de Lisboa vou ter alguns convidados entre eles o João “Chela” Pereira, ex-PAUS, e a Márcia.
Vais mostrar coisas novas?
Em princípio não, isso só lá mais para a frente, mas vamos ver como corre.