Depois de The Cherry On My Cake, Luísa Sobral traz-nos o disco There’s A Flower In My Bedroom. No meio de uma digressão que já a levou por sítios como Israel ou Istambul, a artista portuguesa de 23 anos conta-nos o que mais há no seu quarto além da flor e detalha a sua experiência pessoal e musical ao longo dos anos, desde a participação no programa Ídolos à passagem pelo programa do inglês Jools Holland:
Altamont: Comecemos pelo início do teu percurso musical. De que maneira é que a tua participação nos Ídolos influenciou a tua carreira? Foi determinante para o sucesso?
Luísa Sobral: Eu acho que não influenciou de maneira nenhuma e não foi nada determinante. Acho que foi só uma fase da minha vida, como foi ter feito o 12º ano na América. Foram duas coisas que influenciaram a minha vida mas que não influenciaram a minha carreira, especificamente. Eu não gosto muito desses programas de televisão e acho que eles iludem muito os miúdos e que nunca nada de bom saiu de um programa desses. Por isso, para mim, não teve qualquer impacto. Aliás, a única coisa que pode ter ajudado foi ter a certeza que eu não estava pronta ainda para lançar nada e que devia ir estudar mais, acho que foi a melhor coisa que esse programa me deu.
Como é que se constrói uma carreira com sucesso, depois de um programa destes? Poucos foram os artistas que o fizeram.
Eu acho que a maneira como se constrói depois de ir a um programa destes é a maneira como se constrói sem ir a um programa destes. Portugal não é bem um país de intérpretes. Só no fado, talvez. É muito mais um país de compositores. Não há assim tanta gente a escrever para outras pessoas. Há uns letristas muito bons mas que decidem para quem escrevem, não escrevem normalmente para miúdos que estão a começar. Por isso, o mais fácil é as pessoas escreverem ou tentar encontrar alguém que escreva para elas e que seja bom. A maneira de começar a carreira é termos noção de quem somos na música e de que espaço queremos ocupar. Temos de ter uma identidade e ter a certeza da nossa personalidade musical. Isso é também o problema nestes programas, não fomentam a personalidade musical. Mandam os miúdos cantar uma música de cada estilo e isso não faz sentido nenhum. A pessoa tem de perceber que estilo é o seu. Antes de começar uma carreira é preciso isso, saber se estamos prontos. Eu componho desde os treze e só passados dez anos é que senti que estava pronta para finalmente lançar o meu primeiro disco. Temos de ser os maiores críticos de nós mesmos e termos noção de quando é que estamos prontos e se temos alguma coisa a trazer. Temos de estar seguros para ser a primeira pessoa a defender aquilo, quer corra bem ou mal.
Que influência teve o facto de estudares nos Estados Unidos? Foi isso que te fez cantar maioritariamente em inglês?
Sim, acho que foi muito isso. Começar a falar só em inglês, a sonhar em inglês. Fez com que eu começasse a escrever muito mais em inglês e aí também comecei a compor mais.
Sentes que te consegues expressar melhor em inglês do que em português?
Não, acho que me consigo expressar bem nas duas línguas. Às vezes as canções saem em inglês, outras em português. Talvez me consiga expressar melhor, neste momento, em português, porque estou a viver aqui e é a língua que falo todos os dias. Na altura, como vivia nos Estados Unidos, acabava por falar inglês a toda a hora, que não tinha quase amigos portugueses. Por isso, nessa altura fazia mais sentido. Agora é um bocadinho das duas, é a língua que sai quando começo a tocar.
Além de inglês e português cantas também em espanhol. O não cantares em apenas uma língua tem a ver com o teres tido essas várias experiências?
Sim, o espanhol foi porque fomos fazer uma tournée em Espanha e eu compus uma canção em espanhol para ela. Depois começámos a tocá-la também em Portugal e decidimos gravá-la, quando chegou a altura de fazer um disco. A ideia não foi “vou mostrar as línguas todas que eu falo”, mas foi porque nos divertimos a fazer aquela canção e queríamos que ela fizesse parte do disco. Línguas é uma das coisas que me dá imenso gozo aprender mas nunca quis ter um disco “showoff”, tipo “agora um bocadinho de italiano, agora um bocadinho de não-sei-quê”. O espanhol foi mesmo só por isso, por ser uma canção que gostávamos de tocar e não fazia sentido não a pormos no disco.
Uma pergunta um bocadinho indiscreta, se calhar: quem é o “Xico”?
O “Xico” não é ninguém, foi uma personagem que eu criei. A música partiu um bocadinho do “De Espanha nem bom vento nem bom casamento”. Então para o português escolhi uma alcunha que há muito em Portugal, que acho engraçado. Então ficou esta história entre um português e uma espanhola, que como diz o ditado, não funciona.
As histórias que cantas nas tuas canções são, maioritariamente, criações tuas ou também experiências pessoais?
Um bocadinho de tudo. Muitas são criações, gosto muito de inventar personagens. Se calhar acabam sempre por ter um bocadinho de mim ou de pessoas que conheço, mas tenho cada vez feito mais canções pessoais. Acho que era um bloqueio que eu tinha e com a idade fui aprendendo a lidar com isso, com mostrar o meu lado mais pessoal e não me sentir tão exposta e perceber o prazer que me dá tocar uma coisa que é minha, que senti e a maneira como me ligo a essa canção talvez seja muito mais forte do que quando conto a história de uma personagem. Tem-me dado muito prazer fazer isso e o próximo disco, provavelmente, será uma coisa um bocadinho mais pessoal, porque acho que agora abri esse canal.
Achas que se perdeu a tradição de contar histórias e que a música surge, de certa forma, para preencher esse vazio?
Eu acho que se perdeu essa tradição também na música. Se ouvirmos as canções de hoje em dia, não há história nenhuma. A maior parte das canções são sobre “eu tenho dinheiro e carros e vamos todos pá noite e pá discoteca e tu és linda”. É tudo assim, não há história, não há personagens. É tudo tão superficial. Mesmo histórias de amor, são sempre muito básicas. O problema é que já não há histórias. Acho tão bonito quando se ouve uma letra e se está a prestar atenção à história e se está interessado em saber como é que acaba. Acho que isso se tem perdido muito na música. Todas as músicas que se ouve na rádio não têm qualquer história, são todas pensamentos soltos. É uma pena, uma das coisas que eu mais gostava de fazer era analisar as letras dos Beatles, conhecer os personagens, saber quem era a “Eleanor Rigby” ou o “The Fool on the Hill”. Eu percebo a música que se faz hoje em dia, percebo que seja divertida e eu acho que deve haver música para todos os estilos. Não faz sentido ir para uma discoteca ouvir música erudita, eu quando vou sair à noite até gosto de ouvir música que considero má, aí faz sentido. Agora, se é para realmente sentir alguma coisa, não. Eu gosto quando a letra me diz alguma coisa.
Tiveste a colaboração do Jamie Cullum na canção “She Walked Down The Aisle”. Como é que surgiu essa oportunidade e como foi trabalhar com ele?
Eu conheci-o quando fiz a primeira parte do concerto dele no Cool Jazz, há dois ou três anos. Percebi logo que ele era uma pessoa mesmo muito simples e simpática, nada com manias de diva. Então quando comecei a trabalhar neste álbum pensei logo nele e que gostava que ele entrasse. Escolhi a canção que achei fazer mais sentido, que é um dos meus temas favoritos do disco. Havia outra que era mais o estilo dele mas por isso até achei mais engraçado cantar uma diferente do que ele faz normalmente. Por isso enviámos o tema, pela minha editora, perguntámos se ele queria participar e ele disse que sim.
Tens também um dueto com António Zambujo.
Sim. Com o António foi diferente. Ele já é meu amigo há algum tempo e quando compus a canção “Inês” já foi a pensar num dueto com ele. Depois de eu a escrever, cantámos logo a canção em Alcobaça, num evento dedicado a Inês de Castro, e a partir daí a canção já só fazia sentido com o António.
Os duetos que fazes com outras pessoas vêm só pela vontade de trabalhar com essas pessoas em concreto ou sentes, quando fazes uma música, que falta uma segunda voz?
Nunca senti isso. Nunca compus uma canção e senti que faltasse uma segunda voz. Com o António escrevi mesmo a música para os dois, porque imaginei logo a voz dele. Normalmente eu escrevo e para mim faz sentido com a minha voz. Depois é que vejo se também fará sentido em dueto.
Onde é que vais buscar o som “parisiente” que as tuas canções têm? Quais são as tuas principais influências?
Do lado francês, Édith Piaf. Mas acho que o jazz americano dos anos 30 tem logo esse som. Quando uma coisa tem acordeão parece logo parisiense, por isso acaba por não ser uma coisa muito francesa mas que tem esse som só porque tem os instrumentos que a francesa normalmente tem.
Achas que é mais fácil fazer jazz na Europa ou nos Estados Unidos?
É diferente, não acho que seja mais fácil ou difícil num dos sítios. Acho que são completamente diferentes: o jazz americano tem mais swing e o jazz europeu é muito mais avant-garde e experimental. Como é feito em sítios diferentes, é completamente diferente também.
Já cantaste em Paris, Istambul e agora em Israel. Quais têm sido as reacções à tua música lá fora?
Tem corrido mesmo muito bem. Tivemos sala cheia em Istambul e em Israel também. Tem sido mesmo especial porque acabamos por ir a sítios espectaculares e por partilhar a nossa música. Sinto-me mesmo privilegiada por, com a idade que tenho, poder andar a viajar, a conhecer sítios destes e a tocar, a correr tão bem. Está a ser espectacular, espero que continue assim e que não seja só uma semana.
Esses sítios que visitas, contribuem de alguma forma para a música que fazes?
Acho que sim, mas é difícil dizer o quanto contribuem. É como aquela coisa de dizermos que parte da nossa personalidade é que tem a ver com o sítio onde nascemos ou com a nossa família. São coisas que nós não sabemos e é a mesma coisa com a música. Que parte da música é que vem de eu viajar? Não sei, mas há-de vir alguma porque faz parte da minha experiência, da minha personalidade e da minha cultura geral, acho que isso depois se reflecte tudo na música. Alguma influência há-de ter, mas não directa. Só se for como a “I Was In Paris Today”, que escrevi depois de ir a Paris, que é um bocadinho mais específica. De resto, são canções que se calhar têm bocadinhos de coisas que eu fui apanhando em cada viagem ou em cada experiência da minha vida.
Além de teres cantado no estrangeiro, tens tido também alguns projectos com que te entreter. Como foi participar no Voz e Guitarra 2 e no concerto Live Freedom II da Amnistia Internacional?
O Voz e Guitarra 2 foi muito giro porque o primeiro CD foi um dos CDs que ouvíamos no carro do meu pai, era um CD muito especial para a minha família. Sabíamos as canções todas de cor e cantávamos todos, etc. Naquela altura nunca pensaria que iria fazer parte do segundo CD daqueles, eram músicos de topo. Por isso foi mesmo especial fazer parte do segundo disco, ainda por cima com músicos e amigos incríveis. O concerto da Amnistia foi uma honra enorme, ser a cara de causas como aquelas e sentir que fomos um bocadinho de alguma mudança. É muito especial nós sentirmos que estamos a fazer aquilo que gostamos, que nos dá imenso prazer, e pensar que se calhar podemos mudar alguma coisinha no mundo, por mais pequena que seja.
Quando estiveste no programa do Jools Holland, o que é que sentiste?
Foi uma emoção enorme porque era um programa que eu já via há algum tempo. Ia muitas vezes ao YouTube ver performances de artistas que eu gostava muito e então ia vendo bocadinhos do Jools Holland, mas nunca pensei “Um dia vou a este programa!”, aquilo é o topo. Todas as semanas se vê lá uns Coldplay ou uns Foo Fighters. Todas as semanas se vê lá uma banda assim. O Sting foi lá, o Paul McCartney, vai lá toda a gente. Nunca imaginei lá ir, não é a minha liga. Então, quando surgiu a possibilidade de ir lá, não fiquei muito entusiasmada porque quanto mais entusiasmados ficamos, mais tristes ficamos se não acontece. Depois, eles vieram cá a Portugal, viram um concerto nosso e disseram que gostavam que nós fôssemos e quiseram marcar. E pronto, foi uma experiência espectacular. Por estar rodeada de músicos tão bons, por ser um programa muito bem feito, com um som incrível. Por perceber que eles fazem aquilo não pelo dinheiro, porque aquilo não dá dinheiro nenhum, mas porque adoram música e têm prazer em fazê-lo. Estava lá o Rodriguez e eu na altura não o conhecia, só vi o Searching For Sugar Man depois, que adorei, e foi mesmo engraçado estar lá com ele. Foi uma experiência espectacular e espero mesmo voltar lá. Pelo menos falámos disso e o disco saiu agora em Inglaterra, por isso…eu adorava voltar lá.
O que é que estás a pensar fazer nos próximos tempos?
Depois do concerto no Porto teremos concertos para Março. O disco entretanto sai também em Março no resto da Europa e a partir daí vamos começar a fazer tournée europeia.
Uma última pergunta, fora de contexto: as histórias das tuas letras davam um livro?
São um bocadinho curtas para ser histórias, teria de escrever mais. Nunca me aventurei muito a escrever prosa. Já tive alguns cursos de escrita criativa e divirto-me bastante, mas nunca me aventurei muito porque tenho medo de falhar. Acho que se fizesse isso teria de transformar em prosa e de desenvolver um bocadinho mais, mas eu achava interessante. Não sei, há tanta gente a escrever prosa que eu se calhar fico-me pela minha arte e eles ficam-se pela deles.