Há dez anos atrás acontecia a primeira edição do Sonic Fest. Quando o rock instrumental – mais arraçado de post-rock – ainda era um embrião, seis bandas de putos juntavam-se numa associação criativa para saciar os desejos da malta mais roqueira. Os recém-nascidos Katabatic davam os primeiros passos naquela casa das artes, juntamente com os Brainwashed By Amália e os Lemur. Uma década de música passada e as mesmas três bandas reuniram-se no Chapitô com o mesmo alinhamento e a mesma garra. Os extintos Lemur e os Brainwashed By Amália juntaram os trapinhos – sendo estes compostos por baquetas, pratos, cordas… – e trouxeram o mesmo sentimento de êxtase numa revisita ao mesmo evento, organizado pela Associação Terapêutica do Ruído. Uma noite de emoções fortes patrocinada por doses certas de violência e de poder instrumental dos já-não-tão-putos que ali agarravam as velhas faixas pelo mesmo objectivo.
A primeira banda da noite, Katabatic, usou estes dez anos para edificar o seu projecto; longe dos hypes, dentro de uma evolução mais intemporal que agora os leva para uma nova fase: depois o primeiro longa-duração Heavy Water, do ano passado, vão lançar um novo EP no início de 2014. Conheci-os no Amplifest – a tocar ao lado de nomes como Russian Circles, Deafheaven e Chelsea Wolfe – e vi-os vingar o seu com cada vez mais certezas. Em contra-relógio para o concerto seguinte, vi-os desatenta do mundo; a ambiência certa estava criada e havia bolhas de intensidade pela sala. Por isso, voltei a entrar na minha durante este Re-Sonic Fest, onde aproveitei para conversar com este que é um dos grupos mais promissores dentro da esfera do post-rock português, bem disfarçado de internacional.
Altamont: Apresentações?
Katabatic: José (baterista): Se calhar começamos como começámos. Isto tudo começou comigo e com o Tiago a tocarmos basicamente sozinhos, a seguir veio o Hugo, e depois o João que é irmão do Tiago… Há dez anos atrás, e o primeiro concerto foi na primeira edição do Sonic Fest! Mas entretanto nesses dez anos a coisa teve ali uma paragem basicamente – e já dissemos isto para vincar bem este espaço sem estarmos a editar nada – tivemos uma fase mais de maturação e de procura de identidade e só lá para 2010, 2011 é que começámos a achar que tínhamos essa identidade definida e arrancámos até hoje.
Dez anos e só aí é que lançaram o álbum?
João (baixista): Mas antes disso lançámos o EP. Mas estávamos ainda a construir a banda.
José: À procura de algo em que acreditássemos que dava para apostar “mais a sério”. E com base nisso não valia a pena estarmos a editar algo e a divulgar música nossa sem percebermos que estávamos 100% confiantes naquilo que estávamos a fazer. E o Heavy Water é o resultado dessa fase de maturação e podemos adiantar que já temos alguma coisa gravada, um Ep, que vamos lançar brevemente. E durante nesse grande hiato o João teve em Erasmus e uma pós-graduação, o Zé esteve em Barcelona.
E agora voltando atrás…
João: Queres o nome?
Quero.
João: E o título do disco novo, do EP…
José: Em exclusivo.
João: É Weighs Like A Nightmare On The Brains Of The Living. E tem cinco faixas: “Eroica”, depois uma espécie de interlúdio que se chama “Nocturnes”, depois a “Sisyphus”, a “Tall Tale” e “Tell Tale”.
Como é que vocês chegam a esses nomes?
José: Fazes a música e tens o sentimento por trás da música quando estás a construir e estás a compor. Não pensamos em nomes à partida, e depois quando as músicas vão surgindo e vais fazendo uma estrutura, percebes que vais fazer um álbum – neste caso um EP – começamos a definir o imaginário à volta dessas músicas. E a coisa vai surgindo naturalmente naquilo que nós pensamos que é a mística da banda e aquilo que nós tentamos projectar. Não pensamos nisso de forma obsessiva, mas pensamos.
Tiago (guitarrista): Há expressões, nomes que encontramos num sítio qualquer, numa obra, em alguém que diz alguma palavra e nós vamos registando, porque de alguma forma achamos que coincide com algum ambiente de alguma música. Ou no teu caso gostas da palavra “hiato”, não sabes porquê mas gostas, e nós também temos palavras assim e vamos guardando.
Se tivessem de escolher uma etiqueta, um género, qual seria e como é que lá chegaram?
José: Isso tem a ver com esse processo de procura de identidade. É engraçado ver a quantidade de bandas que nos últimos anos surgiram a fazer rock instrumental e que depois definiram como post-rock, outros definiram como post-metal… E eu lembro-me de quando demos o concerto neste exacto festival há dez anos atrás, foi na nossa última tentativa de ter alguém como vocalista. Aconteceu que as coisas não aconteceram e procurámos definir a nossa identidade com essa base instrumental e foi surgindo naturalmente, não foi a tentar recriar um estilo.
Tiago: Quando penso na etiqueta do pós-rock acho que já estamos um bocadinho fora. Rock instrumental é muito mais fácil, porque é mais abrangente. É rock. Mas cada um traz a sua influência. Um ouve mais música instrumental, outros étnica, todos ouvimos rock, mas também é muito difícil não ouvir rock.
Hugo (guitarrista/percussionista/voz): A categorização passe pela pessoa que o ouve. E já tocámos com muitas bandas de géneros diferentes e tocámos de forma enquadrada.
E que sensações é que associam à vossa música?
João: Acho que isso varia de música para música.
José: Basicamente nós ensaiamos sempre num método – como o João diz – punk style. É entrar na sala e não ir com coisas pré-definidas. Alguém traz um riff, ou uma ideia, e por cima disso deixamo-nos viajar. E traduz-se tanto nos concertos como no fim dos álbuns a oferecer uma viagem com princípio, meio e fim. Até temos o hábito de fazer isso nos concertos e não deixarmos intervalos entre as músicas para ter um fio condutor e no fim contar uma história.
Tiago: A nossa música é densa, pesada – mesmo que não sejam riffs pesados e violentos e altos – e a melancolia é um sentimento que eu sinto muito na nossa música.
Eu sou de Lisboa e vocês são lisboetas. E eu só vos conheci este ano… no Porto. Sou eu que ando distraída ou são vocês que andam pela calada?
José: Somos nós que andamos pelo Porto! 80 ou 90 % dos nossos concertos são no Norte. Conseguimos arranjar mais salas e se calhar mais público lá. Trabalhamos com a Amplificasom e eles estão no Porto.
Exacto, qual é a importância da Amplificasom para vocês? Ajudou-vos a encontrar o vosso público?
José: Sim, a 100%. Desde que eles apareceram que podemos considerar que somos parte da família e já estamos nisto há muito tempo. Fomo-nos apoiando aos poucos uns aos outros, pensada e fazer as coisas nos momentos certo. Não foi por acaso que só este ano é que tocámos no Amplifest.
Tiago: A relação começou de uma forma muito natural. Recebemos uma mensagem via Myspace (aquela coisa antiga que já ninguém se lembra) e encomendaram-nos o EP, o Vago.
E qual foi a importância dos Riding Panico, Mokoto…etc. para os Katabatic?
José: Ainda há pouco tempo tivemos no Starway e lembramo-nos “epa, aqui foi aquele concerto que demos com Riding Panico”, que foi o primeiro concerto deles. E a certa altura percebemos que andávamos a fazer coisas parecidas, era algo natural, sem ser planeado e sentimos que podíamos crescer.
E que bandas que é que influenciam a vossa música?
José: Há um que damos sempre como referência a todos, que são os Deftones. Passaram hypes, passou tudo e mais alguma coisa (e também passaram por muito), mas têm tido aquela união quase de família e vão fazendo as coisas quase intemporais. Os anos vão passando e eles vão ficando. E admiramos mesmo o tipo de música que fazem.
Mas não são propriamente parecidos… Talvez porque tenham voz e vocês não.
Tiago: Se pensares de forma um bocadinho mais abstracta, mais sobre as sensações e não sobre a sequência de notas, ou sobre um efeito que usam na guitarra…
Hugo: Ou a cena mais melancólica.
José: …Mais mágica, mais sensual às vezes, outras vezes muito mais agressiva. E assim de forma mais abstracta até acho que há semelhanças.
João: Se calhar há muito mais coisas que nos influenciam sem ser a música. A tua disposição, o que está a acontecer na tua vida. Se tiveres chateado, podes ser uma pessoa que em reacção a isso vai fazer música muito alegre para contrabalançar a coisa. Ou então se calhar vais ser uma pessoa que vai fazer uma coisa mais consonante com aquilo que se está a passar na tua vida e vais querer berrar, e mais querer usar um riff pesado e distorcido para manifestar essa tua raiva, mas é sempre difícil descortinares isso, porque acontece de forma instintiva. Nenhum de nós chega ao ensaio e diz ‘epa, estou muito chateado com o meu trabalho, por isso bora fazer uma música com berros’.
Então e o que é que vocês ouvem?
José: Ouvimos desde hardcore, música electrónica…
João: “World music”.
Tiago: Esse é dos estilos musicais, das etiquetas que eu menos gosto, se fores a ver… Música do mundo. É o que?
Hugo: Hardcore da Mongólia.
Tiago: Se todos tocamos no mesmo “world” então todos tocamos world music. Aliás, a nossa música não é world music porque é para lá do mundo! Do espaço. Música marciana.
E objectivos para o futuro?
José: Com o EP estamos a pensar fazer em editar coisas com mais regularidade. Não é por acaso que o ano passado lançámos o Heavy Water e este ano queremos lançar já o EP. Ser mais próximo na cadência daquilo que lançamos e daquilo que compomos e dar mais concertos. Estamos a sentir neste momento que há mais oportunidades e mais convites para concertos e mais pessoas que acreditam naquilo que fazemos e faz com que queiras continuar a fazer coisas.
Tiago: E como somos uma banda de world music, também queremos ser uma world band! E como tal um dos grandes planos que gostaríamos todos de ter era uma digressão a sério.
José: Conquistar o mundo!
Tiago: O próximo passo era conseguir um conjunto de datas em festivais, em diferentes cidades europeias, conseguir divulgar a nossa música, porque vale a pena. Não ficarmos por aqui.
E sobre este re-sonic fest o que têm a dizer? Qual é a história deste festival?
Tiago: Foi muito bom recordar. O Sonic Fest surgiu por intermédio de amigos que também tinham algumas bandas e quiseram fazer um festival de dois dias, seis bandas. E é engraçado pensar que neste momento nós, se não me engano, somos a única banda que resistiu durante estes dez anos.
Os outros todos acabaram?
Tiago: Sim, acho que todas as outras bandas acabaram. Foi muito bom termos tocado nesse festival, porque conseguimos tocar com muitas das bandas que na altura nos influenciavam: Bypass, Lemur, Brainwashed By Amália. E foi engraçado juntarmo-nos ali todos. É bom salientar que as bandas que tocaram hoje não tocavam há cerca de 6, 7 anos…
José: E voltaram agora só para o Sonic Fest.
E não vão voltar?
José: Era bom que voltassem!
Tiago: A coisa ficou apalavrada para daqui a dez anos.
(Fotos: olhos(«A?»)zumbir)