Duas décadas de Cool Jazz não é coisa pouca. Ontem, no primeiro dia do evento de 2024, fomos à lua e voltámos. Foi um AIR que nos deu, e que nos soube muito bem!
Há muito que o Altamont visita o Festival mais Cool da Linha de Cascais. Ao longo dos vários anos, muito e bons concertos fizeram parte da história deste Festival que foi mudando de local, mas mantendo a enorme qualidade, edição após edição, dos artistas convidados. Vinte anos é muito tempo, e o que esperamos é que, pelo menos, outros tantos venham a acontecer. Desde 2018 que decorre maioritariamente no espaço do Hipódromo Manuel Possolo. Cascais foi a casa mãe do Festival, em 2004, mas por variadas razões levou malas e bagagens para outros locais, nomeadamente Mafra, Sintra e Oeiras. Agora que se inicia mais um ano de Ageas Cool Jazz, a expectativa é a de sempre: noites de ótimos concertos, a começar com a french band AIR! Tudo em três espaços, o Hipódromo Manuel Possolo (Ageas Cool Jazz), Anfiteatro Parque Marechal Carmona (Cascais Jazz Sessions e Late Nights) e Jardins Casa de Histórias Paula Rego Cascais (Lazy Sundays). Feitas as apresentações, e to cut a long story short, ontem foi dia de AIR.
Às vinte e duas horas e trinta minutos, os AIR iniciaram o concerto em que tocariam integralmente, é essa a tour que estão a fazer neste momento, o extraordinário Moon Safari, álbum que já tem vinte e seis anos de vida. Exatamente pela mesma ordem, os temas desse disco icónico foram reproduzidos em palco. Por vezes em versões extended play (à maneira dos maxi-singles dos anos oitenta), outras vezes muito fieis aos temas originais. “La Femme d’Argent”, faixa já de si longa, ainda mais extensa se tornou. Faltou um pouco de som no baixo, assim como mais pujança nos decibéis. Em quase todo o concerto, aliás. Foi pena. Seguiu-se a igualmente icónica “Sexy Boy”, entoada pela pequena multidão que assistia ao concerto. Bom momento de libertação, logo a abrir. Num ápice, todos fomos sexy boys durante algum tempo. Tudo muito bem até àquele instante, sendo que a falta da voz feminina de Beth Hirsch sentiu-se (e de que maneira) nas terceira e sétima faixas do alinhamento, ou seja nas canções “All I Need” e “You Make It Easy” de Moon Safari. Mais valia terem-se servido de gravações da voz de Beth Hirsch, pela tremenda mais valia que representa em cada um dos temas. Esses foram claramente os momentos menos interessantes do concerto de ontem. “Talisman”, “Remember”, “Ce Matin Là” (linda como sempre), “New Star In The Sky (Chanson Pour Solal) – tema que homenageia Martial Solal, grande compositor e pianista francês ainda vivo (lembram-se, por exemplo de À Bout de Souffle, de Godard? – a banda sonora é dele) – e a derradeira “Le Voyage de Pénélope” preencheram a parte mais significativa do concerto. Depois de serem reproduzidos os dez temas de Moon Safari, a french band recolheu-se por breves instantes, reaparecendo depois para vários temas e vários encores. Nesses momentos, destacaram-se “Cherry Blossom Girl” (também aqui a voz doce de Jessica Banks teria sido muito bem-vinda), “Alone in Kioto” e “Run” (Talkie Walkie, 2004), assim como “Playgrond Love” (The Virgin Suicides, 2000) numa versão apenas instrumental belíssima e as maravilhosas “Don’t Be Light” e “Electronic Performers”, com que se chegou ao fim do concerto. Para ser melhor ainda, faltou “How Does It Make You Feel?”, todas elas do ótimo 10 000 Hz Legend, por vezes tão injustamente esquecido por ficar à sombra do brilhante Moon Safari.
A elegância dos AIR permanece imaculada. Toda a estética sonora, assim como da presença em palco de Nicolas Godin e Jean-Benoît Dunckel são estudadas ao pormenor. As luzes, que tantas vezes são orientadas para que vejamos deles apenas os seus contornos em sombra (há aqui algum dedo das escolas das bandas alemãs de Düsseldorf, que tantas vezes também se apresentavam assim em palco) oferecem uma dose extra de charme ao que acontece em palco. E resta dizer que Moon Safari, o disco responsável por tudo isto, não apresenta uma única ruga, parece não ter envelhecido, está descaradamente jovem e fresco, exatamente como no ano em que apareceu. Vale sempre muito a pena ir à lua em safari com esta dupla francesa.
Fotografias de Sara Hawk cedidas pela organização.









