O ano de 2017 tem, para mim, o seu primeiro grande momento no que a bandas novas diz respeito, com o álbum de estreia dos Priests.
Lançado oficialmente ali no finalzinho do primeiro mês do ano, só me chegou aos olhos (e depois ouvidos), umas semanas depois (a parte de chegar às mãos, tão importante no passado, já deixou de ser parte deste ritual ancenstral). Logo me vieram reminiscências de quando o mesmo processo aconteceu com Silence Yourself, a catarse de encontrar ali uma frescura punk, pós-punk, indie, um movimento incontrolável de corpo a querer meter-se na fila da frente de um concerto rodeado de gente com o mesmo sentimento. Aumentar o volume logo na primeira música não acontece com todos os álbuns, mas os dois primeiros minutos de “Appropriate” merecem-no. Até que a música praticamente pára. Transforma-se numa desregrada jam session, em que cada instrumento vai e vem, aparentemente sem regras, resquícios de free jazz, e fica-se esparramado no alcatrão pós-atropelamento, por um camião do qual ninguém tomou nota da matrícula. De seguida em “Jj” (nada a ver com um determinado treinador de um determinado clube, seguramente) o ritmo é completamente diferente, mais surf rock, mas não menos intenso. A letra incide sobre um tema bastante actual – a construção de identidade de uma pessoa com base nas marcas com as quais se relaciona. A conclusão é simples e repetida até à exaustão no fim da mesma “What a stupid concept / What a stupid concept”.
“Nicky” e “Lelia 20” são puro pós-punk, nas quais Katie Alice Greer (vocalista) nos atira à cara muitas das coisas que estão erradas com na nossa sociedade, por exemplo as amizades fáceis surgidas por redes sociais – “I don’t make friends easily or naturally”. Porque, de facto, a amizade não é algo que se faça instantaneamente, é necessário muitos bons e maus momentos, é necessário uma base de entendimento comum, é necessário tempo para se poder chamar a uma relação amizade. Ter 1500 “amigos” no facebook vale bola perante 2 amigos a sério em quem podes confiar.
A meio há um interlúdio, para respirarmos. Um interlúdio onde se cruza música clássica e jazz, criando um ambiente sonoro sonhador. E logo a seguir voltar a atacar com “Nothing Feels Natural”, mas ainda em registo mais introspectivo, calmo. Para explodir no momento seguinte, com “Pink White House”. O nome por si já mostra a que vamos, a recorrente questão do sonho americano e da ilusão de escolhas que existe, porque no fundo tudo acaba na carneirada de ser cheerleader, ter um SUV, ver sitcoms, fazer recolhas de fundos para questões (aparentemente) importantes. Mas onde a canção nos marca é no ritmo alucinante da mesma, sendo o baixo de Taylor Mulitz a essência. O questionamento da sociedade actual continua em “Puff”, onde, em caps lock, se atira um “ACCEPT THE TRIUMPH OF THE MACHINE”, em modo visão orwelliana da coisa. Por fim, e para terminar uns rápidos 33 minutos, “Suck” é mais funk, mais dançável, com reminiscências de LCD Soundsystem.
O rock, iniciado pelo recém falecido Chuck Berry, tornou-se menos presente no mainstream, obrigando-nos a procurar mais para encontrar vida neste registo. Os Priests foram a minha descoberta deste ano (até ver, claro), à semelhança do que foram os Car Seat Headrest em 2016. Mesmo sendo pouco em quantidade, a qualidade está lá e compensa a procura.