Os Happy Mondays trouxeram a festa a Lisboa, numa noite que prometia ser amena mas que terminou em triunfo.
“Trouxeste a algália?! É só velhos!”. Esta foi uma das frases ouvidas no arranque do concerto dos Happy Mondays, este domingo à noite no lisboeta Campo Pequeno. E, de facto, há bastante tempo não tinha a experiência de me sentir uma das pessoas mais novas na plateia (tenho 47, não falemos disso).
A noite não prometia grande coisa. Relatos de poucos bilhetes vendidos faziam antever uma casa mortiça, a meio gás, geriátrica e, pior do que isso, vazia. Ora uma coisa foi verdade, a outra não.
O auge dos Happy Mondays, percursores da cena de Madchester, foi na segunda metade dos anos 80 e na transição para o que viria a ser a explosão da britpop. Não que tenham cessado, necessariamente, mas a sua relevância histórica ficou cristalizada nesse momento, nesse período, há uns valentes 30 e tal anos atrás. Daí que não tenha sido surpresa que a maioria das faces sorridentes na audiência mostrasse as rugas do tempo. Mas mais do que isso. Rugas, marcas e sinais de quem viveu, intensamente, esse casulo de liberdade e abuso de substâncias.
A audiência, aliás, era tão interessante como o que se passava no palco. Malta 50+ com ar de quem já constituiu um simpático pé de meia imobiliário, para quem rendas de 2300 euros podem considerar-se efectivamente “moderadas”, como diz o nosso Governo. Mas gente ainda com vida, sedenta de festa, de calor, de contacto humano, gente que dividiu a nostalgia da juventude com o aqui e agora.
No palco, os Mondays de hoje mantêm um núcleo essencial. Depois da morte de Paul Ryder e da saída da vocalista Rowetta em dezembro do ano passado – alegando uma agressão do vocalista Shawn Ryder nos idos de 2000 – a chama é carregada sobretudo por este último e por Bez, o único membro de uma banda, na história, encarregue das maracas.
Ryder, de quem o mítico Tony Wilson disse ser “o maior poeta britânico desde WB Yeats” está nos seus 60, e provavelmente nos seus 90, em termos de peso. De garrafa de água em punho, deixa muito longe a imagem daquele poeta popular e quase iletrado alimentado a ácido e metanfetaminas dos anos 80 e 90. Ainda assim, está ali o carisma e a imagem de um dealer que já viu tudo, e a quem não convém desagradar se queremos manter todos os membros funcionais. E depois há Bez, o dançarino alucinado de quem se diz ter tomado ainda mais drogas do que Ryder, e que provou mais uma vez em Lisboa ser absolutamente essencial, ainda que o seu único instrumento – naturalmente inaudível – sejam as suas “mighty maracas”.
É Bez, magro, elegante e ululante, quem mantém todo o público a mexer, a dançar, a curtir. Para além destas figuras, destaque para Firouzeh, a mulher de Bez que substituiu Rowetta como co-vocalista da banda, e cuja qualidade vocal espanta e carrega todo o conjunto.
De volta à audiência, se não se importam.
Um pequeno mar de gente feliz, muita cerveja, tipos e tipas que, no seu auge, secaram muitas adegas e acabaram com o pó até dos cantos da sala. Aquilo é uma pequena multidão com muita quilometragem no bucho, nota-se a léguas. Visto de fora, podem até parecer uns betos bem na vida. Certo, justo. Mas é gente que sabe, porque esteve lá, o valor de uma noite de más decisões.
A setlist deste domingo não teve grandes surpresas, nem elas eram pedidas. Houve “Hallelujah”, houve “Loose fit”, houve “Kinky afro” ou “24 hour party people” e um excelente final com o clássico “Step on”, naturalmente.
Mas o que mais importa foi a festa feita, os sorrisos rasgados, a cerveja bebida, a batida festiva, os grandes mooves de um Bez reptiliano, uma noite a lembrar outras noites do passado mas a transportar toda aquela malta para o momento, aquele momento.
Para os mais cínicos terá sido mera nostalgia, uma noite de festa mas protegida dos excessos e das doenças sexualmente transmissíveis de outrora. Talvez. Para esses, talvez tenha havido algo de ridículo, num recinto originalmente ridículo desenhado para a tortura de touros.
Mas, para quem se entregou, meteu o cinismo na gaveta e se deixou levar pela música e pela batida, foi lindo. E, apesar da idade média do público, garanto que alguém fodeu na casa de banho, como deve ser (e não fui eu, sou um homem sério, casado, e a minha mulher estava em casa).
Os Happy Mondays, com todas as suas mazelas e cicatrizes, deram um excelente concerto. E eu acabei a torrar 35 euros numa t-shirt porque estava cheio de amor por aquela malta e queria uma recordação. E digo-vos mais: o mundo estaria bem melhor se as pessoas quisessem ser um Bez em vez de um Elon Musk, uns Happy Mondays em vez de uns tech bros de Silicon Valley.
Foi uma noite feita de amor, de música, de dança. Às 22h45 estava tudo acabado, a tempo de a malta ir dormir a horas e trabalhar no dia a seguir, como de costume. Mas com um sorriso nos lábios.
Fotografias: Tiago Cortez | Everything is New



















