Um dos mais esperados álbuns do ano já cá canta. E canta tão bem como sempre cantou. É bom podermos regressar ao nosso passado afetivo, sem pormos em causa a vitalidade dos sons que se fazem no presente!
Há muito que não ouvíamos um disco inédito de uma das maiores cabeças falantes das últimas cinco décadas da música pop-rock. Já tínhamos saudades e, mais do que isso, era grande a expectativa sobre o que aí viria. Ouvidos os primeiros singles, bem distintos entre si, diga-se, havia chegado a hora de baixarmos a agulha no “One, two, one, two, three and…” inicial para conhecermos a totalidade de Who Is the Sky?, engraçada corruptela fonética de “who is this guy?”, segundo o próprio artista já tornou público. E agora, que já desvendámos um pouco do disco e do artista em questão, parece quase escusado terminarmos a apresentação, mas ela aí vai: David Byrne está de regresso com aquele que será o seu sétimo trabalho a solo e em exclusivo nome próprio, não incluindo, nessa contabilidade, três outros que fez no passado, dois deles em parceria com o deus Brian Eno, e um a meias com a deusa St. Vincent. Ergamos, assim, as mãos ao alto e saudemos a plenos pulmões o regresso desse grande herói escocês, que há muito se tornou uma figura incontornável de inquietação musical, de bom e requintado gosto, e exemplo maior de que a idade pode ir pesando, mas que não é forçosamente um obstáculo impeditivo da boa forma musical.
Na capa nº 660 do Jornal Blitz, de 1997, o rosto do fundador mais famoso dos Talking Heads aparecia em enorme plano. Mais ou menos ao centro da imagem, uma frase dizia “Festa na aldeia global”. Era assim que se fazia a apresentação de um evento que tinha como figura de proa David Byrne. Passados todos estes anos (“enfim, é fazer a conta”, como dizia o outro), a mesma frase pode bem servir de mote, de ponto de partida para Who Is The Sky? Na verdade, ouvido o disco com a atenção merecida (e desejada, pois então!), será fácil perceber que o álbum tem uma clara tendência festiva, embora sem espavento de maior, e o que diz refere-se ao que fomos e vamos sendo e vivendo, questionando os tempos que correm e parecendo mais interessado em fazer perguntas do que em dar respostas às interrogações apresentadas. É um disco feliz, quase ausente de amarguras, mesmo tendo em conta algumas canções que, sendo mais tranquilas do ponto de vista rítmico, não transpiram tristezas ou nostalgias. Já que são tantos os pontos de interrogação lidos e ouvidos nas letras e nas canções de Who Is The Sky?“, aqui fica mais uma, em jeito de resumo, e com a resposta mais assertiva possível. É um triunfo? Sim!
A capa poderia muito bem vir do período tropicalista dos seus amigos brasileiros, assim como a aposta em dois modelos diferentes e em vinis coloridos e espampanantes. Carnavalesca, se assim quisermos chamar. Quanto ao conteúdo, Who Is The Sky? encerra doze canções e demora-se apenas por trinta e oito minutos. Destacamos, naturalmente, a orelhudíssima “Everybody Laughs”, entusiasmante como nenhuma outra, mas também “When We Are Singing”, cheia de personalidade e estilo e ainda, num primeiro lote, “What Is The Reason For It?”, onde voltamos à festa e à vontade de dançar. A voz feminina que se ouve, já agora, é a de Hayley Williams, da banda Paramore.
Num outro conjunto de canções em destaque, temos as mais tranquilas “A Door Called No” e “I’m an Outsider”, ambas muito belas e cativantes, cada uma à sua maneira. David Byrne continua a fazer canções com uma vertente lírica de pendor bastante narrativo – “I Met the Buddha at a Downtown Party” ou, por exemplo, “She Explain Things to Me”). A letra é sobre a sua mulher e nota-se bem a flecha de Cupido que o atingiu, que fez com que casassem há dias. São deliciosamente apaixonados, os versos que David Byrne canta. “Moisturizing Thing” é ainda produto do amor que o músico vive no momento e traz uma letra tão infantil, quanto engraçada. Mas há mais. “My Apartment is My Friend” remonta ao período de clausura pandémica que afetou o mundo e é muito bonita e confessional. Voltando à ideia de contar histórias e de ser, ele mesmo, protagonista, há mais onde perceber essa circunstância. Se calhar, quase todo o álbum é assim. Basta ouvir atentamente pare que percebamos isso mesmo.
Perante um lote de canções tão clássicas na sua feitura, digamos assim, seria de estranhar não haver uma, pelo menos, reveladora da sua veia (quiçá artéria) mais arty e mais difícil ao ouvido, embora apenas a espaços. É “The Avant Garde” que faz um pouco esse papel no disco, sobretudo nas partes mais dissonantes, mas também registando momentos tão clássicos como os que encontramos, maioritariamente, nas restantes canções.
Feito o resumo de Who Is The Sky?, resta ainda dizer que o apreço que temos por David Byrne é tão grande, que dificilmente caberia nestas breves linhas. Aos heróis, desejamos sempre o melhor. O engraçado é que esse mesmo herói parece também querer sempre o melhor para nós. Who Is The Sky? é a mais recente prova do que acabámos de afirmar.