Na quarta-feira deu-se início a uma série de concertos com o mote “Conta-me uma canção”, foi uma noite de conversa informal entre amigos com muitas histórias, humor e canções a acompanhar.
O conceito de “Conta-me uma canção” é dos mais interessantes que podemos presenciar, dois músicos juntam-se em palco para conversar e interpretar algumas canções. De facto, o que assistimos é uma partilha de experiências, algumas histórias já conhecidas, outras em primeira mão, e ao desenrolar de canções, a solo ou em dueto, mostrando quase sempre novas versões de temas de ambos os artistas.
O primeiro espetáculo destas “conversas-concertos” trouxe-nos Miguel Ângelo, que será sempre conhecido como frontman de uma das melhores bandas pop nacionais, os Delfins, e Samuel Úria, provavelmente o melhor cantautor da sua geração.
O concerto começou com o afinar dos instrumentos, tal como as grandes orquestras ou Ravi Shankar no seu concerto na Gulbenkian, no final dos anos 70. Se não sabem esta história não se preocupem, até quarta-feira muitos dos que estavam no Maria Matos também não.
As canções iniciaram com versões a solo dos seus próprios temas, “Não arrastes o meu caixão” de Samuel Úria e “Precioso” de Miguel Ângelo, no caso deste último não foi não um solo total, já que se apresentou acompanhado por Mário Andrade, na guitarra.
Não tardou que as canções dessem lugar à conversa, num primeiro de quatro concertos que juntam vários artistas portugueses, quase todos a cantar em português. O tema da conversa foi exatamente o cantar em português e as suas variações. Sucintamente, falou-se sobre como a música portuguesa nos anos 80 era cantada em português, como teve um volte face nos anos 90, para uma nova reviravolta no início do século XXI, com Samuel Úria e a FlorCaveira com algumas culpas no cartório.
Depois de “Ferrugem” cantada pelo seu criador, assistimos a um dos momentos da noite, relembrou-se David Bowie, e por pouco mais de um minuto os 3 artistas em palco cantaram “Space Oddity”, o público acompanhou e certamente muitos naquela sala ficaram arrepiados com a emoção da interpretação partilhada. Por vezes, as melhores homenagens são as espontâneas.
De seguida, Miguel Ângelo, que confessou não ser um amante de fado, aproveitou para contar a história como Carlos do Carmo e Pedro Osório provaram que, a famosa canção “Ao Passar Um Navio” dos Delfins, tinha um je ne sais quoi de fado, e cantou “Fado do Fim do Mundo” ao qual chamou B-Side do seu álbum Segundo.
Outro momento colecionável da noite surgiu quando Samuel Úria se lembrou que para além de vocalista dos Delfins, e artista com carreira a solo, Miguel Ângelo era Woddy de Toy Story, juntando assim vários troféus da cultura pop portuguesa. Rapidamente, surgiu a melodia à guitarra de Mário Andrade e a plateia, quase em uníssono, entoou “Sou teu amigo, sim”.
Já a contas com o tempo, seguiu-se a parte da noite dedicada às versões. Samuel apresentou a canção “Ultimamente”, versão do tema “Lately” de Stevie Wonder, e Miguel “Toda a gente sabe que te amo”, original dos britânicos The Divine Comedy. Continuando com a troca de canções a “Baía de Cascais” foi interpretada por Samuel Úria, e fê-lo tão bem que por momentos poderíamos acreditar que o músico Tondelense era, de facto, Cascalense. Miguel Ângelo, agarrou a canção “Aeromoço” como se a canção fosse sobre ele e não sobre o mítico Bruno Morgado, como foi relembrado em palco.
O relógio continuava a contar, mas ainda houve tempo para mais duas canções antes da despedida. “Para Perto”, canção de Samuel Úria originalmente interpretada pelas Golden Sulmber no festival da canção de 2018, e “Só eu te posso ajudar”, de Miguel Ângelo, tema do filme Zona J.
O final lá chegaria e, sem rede, como afirmado em palco, lá foi usado o bombo presente no Teatro desde o início do concerto e o kazoo guardado no bolso para “Arrocachula” de José Mario Branco. Este final foi tão glorioso que após a saída do palco dos artistas, aconteceu uma ovação em pé de alguns minutos, que, como normalmente acontece, levou a um encore.
Goste-se ou não dos Delfins, é impossível não admitir a sua importância na vida de todos que, em Portugal, viveram os anos 90. Quem nunca tocou à viola, ou pelo menos cantou, a canção “Nasce Selvagem”? Eu, pelo menos, cantei-a várias vezes, por isso não resisti a cantar mais uma vez a plenos pulmões um dos hinos da minha geração.
E assim terminaram pouco mais de 2 horas de muito humor, momentos inesperados e não ensaiados, tributos e alguma emoção à mistura, mas sobretudo foram pouco mais de 2 horas de momentos irrepetíveis na história da música portuguesa.
Fotografias cedidas por Joana Linda





