Decidimos separar o som da imagem e fomos ao encontro do que Thom Yorke fez para o filme de Luca Guadagnino. O resultado dificilmente poderia ser melhor. Ao fim de várias audições, ainda suspiramos de inquietação e de prazer.
Não há em Suspiria nada que nos amedronte irremediavelmente, nada que nos obrigue a ouvi-lo acompanhado, como por vezes se aconselha ao vermos certos filmes de terror. Antes pelo contrário. Aqui, a experiência ganha em ser feita de forma solitária, uma vez que o duplo álbum criado pela cabeça maior dos Radiohead exige, por parte de quem o ouve, muito sossego e máxima concentração para que nada se perca, nada se desvalorize, para que tudo se aproveite. Quando a opção foi a que fizemos, tivemos de ter em conta que os resultados esperados poderiam não ser imediatos, e que a verdadeira fruição poderia tardar em chegar. Afinal, os receios iniciais não se cumpriram, foram infundados. Suspiria vale por si mesmo. A banda sonora que Thom Yorke realizou para o remake do clássico filme italiano que Dario Argento dirigiu em 1977 consegue, na sua grande maioria, viver sem quaisquer imagens. Até porque, convenhamos, acabamos por ser nós a introduzi-las nas nossas cabeças à medida que avançamos pelos vinte e cinco momentos de Suspiria.
Se quisermos ser simplistas na análise de Suspiria, diremos que o álbum pode ser dividido em três grandes fatias, umas mais suculentas e grossas do que outras. A dos interlúdios, pouco significativos quando ouvidos per se, uma vez que ocupam uma particularíssima função no decorrer do filme de Luca Guadagnino e, portanto, não revelam grande substância enquanto acontecimento sonoro; a dos momentos ambientais, alguns de clara tensão, mais longos, por vezes intensos, espreguiçando-se no tempo (em “A Choir of One”, por exemplo, durante mais de catorze minutos) e muito próximos de um certo universo kraut à maneira de Ash Ra Tempel, Popol Vuh ou Tangerine Dream da fase dos seminais Alpha Centauri, Zeit e Atem; e também a das pequenas baladas, valsas, toadas de grande lirismo, pontuadas pela voz única de Thom Yorke, todas elas de rara beleza, frágeis e delicadas, cristalinas ao ponto de parecerem quebrar a qualquer instante mais intempestivo que venha a suceder. São o perfeito contraponto em relação a tudo o que se possa ouvir nas restantes composições do disco. Suspiria é isto, o que já não é pouco, uma vez que na sua totalidade, a longa banda sonora criada por Thom Yorke aguenta-se muito bem enquanto parte integrante de um todo maior (o filme, pois claro), ganhando, em si mesma, uma interessante vida própria. Não é um disco para se ouvir todos os dias, mas para isso há tantos e tão variados que é importante perceber a existência de outros, como este, mais talhados para outros instantes, para outros desígnios. Há nele uma exigência de recolhimento que sabe bem sentir, sobretudo quando a quadra que vivemos nos empurra sem dó nem piedade para alegrias forçadas e esfuziantes, tantas e tantas vezes sem sentido lógico.
Como nota final, e depois de passearmos longamente pelas duas rodelas de Suspiria, percebemos nele alguma coisa que o aproxima de Kid A, disco tantas vezes esquecido por se ter seguido a Ok Computer, mas que é, no entender de muitos, a verdadeira obra-prima dos Radiohead. Talvez isso se note por via de alguns sons distópicos, hipnóticos, talvez pelo ambiente por vezes claustrofóbico e sufocante, mas a verdade é que, em vários momentos (“Unmade”, “Has Ended” ou “Suspirium”, por exemplo) é esse disco de 2000 que nos vem à cabeça, mesmo que por breves instantes. E assim, ao imaginário spooky de um, juntamos a excelência da bizarria experimental do outro.