O Sónar Barcelona 2025 voltou a afirmar a capital catalã como um dos corações da música eletrónica global, reunindo lendas internacionais, talentos emergentes e visionários da tecnologia num festival que é, há mais de três décadas, sinónimo de inovação, diversidade e cultura.
De 12 a 14 de junho, a cidade transformou-se num enorme palco de criatividade, com a Fira Montjuïc a acolher dias repletos de talks, workshops e exposições, enquanto a Fira Gran Via L’Hospitalet se enchia de energia até de madrugada, ao som dos maiores nomes da música eletrónica mundial. Na Fira Montjuïc, o Sónar by Day foi um verdadeiro laboratório criativo, onde artistas, pensadores e público cruzaram-se em experiências únicas — das talks visionárias aos workshops de coding, passando por uma sala de exposições que reuniu criações de todo o mundo.

Talks, Workshops e Exposições: O Futuro em Debate
Se a música é o coração do Sónar, o Sónar+D é o seu cérebro inquieto. Este ano, o programa “AI & Music” foi o grande destaque, explorando como a inteligência artificial está a revolucionar a criação musical.
O Sónar+D, totalmente integrado no Sónar by Day, consolidou-se como o espaço de debate e experimentação sobre o impacto da inteligência artificial (IA) na música e na criatividade contemporânea. O programa deste ano foi estruturado em torno de três grandes eixos: “IA + Criatividade”, “Imaginando o Futuro das Indústrias Criativas” e “Mundos por Vir”
Entre dezenas de fóruns, masterclasses, exposições e workshops, destacaram-se:
- Artistic Trends in Music AI: Discussão sobre novas tendências e desafios criativos na aplicação da IA à música, com especialistas como Jordi Pons (Stability AI), que abordaram desde a composição algorítmica até à curadoria digital e ética artística;
- Design Your Dream Music AI Tool: Sessões práticas onde músicos e produtores exploraram ferramentas inovadoras de IA, desenhando soluções personalizadas para os seus processos criativos
- Quantum Live Coding Workshop: Workshop pioneiro que uniu computação quântica e composição musical em tempo real, antecipando novas formas de interação entre artista e tecnologia – confesso que saí de lá a precisar de outro workshop, matéria complexa!
- AI Performance Playground: Um hacklab de três dias que reuniu participantes de várias disciplinas para experimentar IA aplicada à engenharia e à música, culminando numa performance pública que demonstrou as possibilidades colaborativas entre humanos e algoritmos.
O Project Area, espaço expositivo do Sónar+D, apresentou mais de 70 projetos internacionais, desde gadgets de IA a experiências sensoriais como o jardim sonoro digital “Flors de Veu” e instalações que exploraram a simbiose entre arte, ciência e tecnologia. O público pôde interagir com sistemas de IA que geram novas texturas sonoras, manipular ambientes visuais em tempo real e experimentar interfaces inovadoras, como o neurofeedback para controlo de visuais com ondas cerebrais, matéria que me fez concorrer a um mestrado no Politécnico do Porto.
O Sónar by Day foi palco de performances radicais que atravessaram música, artes visuais, dança e teatro, com nomes como Maria Arnal (no projeto “Ama”, que explora a relação entre voz humana e IA), Grand River & Abul Mogard, e Danielle Brathwaite-Shirley, artista que centra o seu trabalho em experiências imersivas e inclusivas.
O festival não fugiu aos temas controversos: debates sobre ética, autoria, direitos de autor e impacto social da IA na música marcaram várias sessões, como “Automating Bodies: Power, Music and AI” e fóruns abertos em colaboração com universidades e centros de pesquisa.
A atmosfera do Sónar+D foi marcada pelo cruzamento de diferentes mundos: artistas, cientistas, engenheiros, curadores e visionários partilharam ideias e experiências, tornando Barcelona um polo de networking e colaboração internacional.
A talk que mais me marcou foi “How to Future the Creative Industries”, uma sessão que reuniu curadores e representantes de algumas das mais influentes instituições e espaços dedicados à arte contemporânea e digital na Europa e no mundo. Entre os participantes estavam Ana Brzezinska, Boris Magrini (LAS Art Foundation), Clara Montero (Tabakalera), Fabien Siouffi (Octobre Numérique Festival), Jurij Krpan (Kapelica Gallery), Heracles Papatheodorou (Onassis Foundation), Luís Fernandes (gnration), Salome Asega (New Museum), Tamar Clarke-Brown (Serpentine Galleries), Vicente Matallana (New Art Foundation) e Zaiba Jabbar (HERVISIONS). Foi uma oportunidade única para conhecer de perto curadores e gestores de espaços que acolhem artistas para projetos inovadores, e onde o português Luís Fernandes, do gnration de Braga — referência incontornável para os amantes de arte sonora e palco do Semibreve Festival — destacou o papel fundamental destes centros na promoção da experimentação artística e na criação de redes internacionais. A dinâmica da talk, com mini-apresentações, intervenções artísticas e debates abertos, permitiu um olhar aprofundado sobre o futuro das indústrias criativas e sobre como espaços como o gnration continuam a ser motores de inovação e diálogo cultural.

TIMES: Uma Nova Rede Europeia para a Música e as Artes Visuais
O Sónar 2025 destacou também o projeto TIMES (The Independent Movement for Electronic Scenes), uma iniciativa cooperativa que reúne dez festivais europeus de referência e um parceiro audiovisual para criar performances originais que unem música e artes visuais. Para além da programação partilhada de artistas e criações exclusivas do projeto, o TIMES tem como missão apoiar, promover e reforçar a diversidade e a sustentabilidade no setor da música. Este projeto surge como sucessor da colaboração “We are Europe” (2015-2022) e é cofinanciado pela União Europeia, consolidando uma rede inovadora que aposta na colaboração transnacional para impulsionar a cena eletrónica e artística do continente.
A programação do Sónar by Day foi um autêntico caleidoscópio de estilos e propostas, refletindo a vitalidade e a diversidade que definem o festival. O techno visceral e hipnótico de Blawan, a fusão improvável entre jazz e eletrónica de Chano Domínguez & Bronquio em ‘Calle Barcelona’, e as paisagens sonoras imersivas de Chris Watson & Izabella Dłużyk em ‘Białowieża’ deram o tom para uma jornada musical multifacetada. Honey Dijon trouxe à pista um house vibrante e inclusivo, sempre com uma mensagem de liberdade, enquanto Grand River & Abul Mogard criaram ambientes etéreos em ‘In uno spazio immenso’. Maria Arnal, com o projeto ‘Ama’, destacou-se como uma das vozes mais inovadoras da nova música ibérica, e Overmono confirmou-se como um dos duos mais criativos da eletrónica atual. Plaid, referência do IDM britânico, surpreendeu com um live set inventivo, e Adrian Sherwood, lenda viva do dub, mostrou mestria na manipulação sonora.
O Sónar Barcelona é também palco para o talento local e ibérico: Branko, com um live set eletrizante, provou que a lusofonia continua a marcar presença forte no circuito global, especialmente ao revisitar clássicos dos Buraka Som Sistema. Maria Arnal, Raül Refree e Niño de Elche trouxeram novas linguagens à música ibérica, cruzando tradição e experimentação.

Entre os momentos mais marcantes, ao final do dia, destacou-se o encontro histórico entre Alva Noto & Fennesz, que apresentaram ‘Continuum’, um tributo emocionante ao mestre Ryuichi Sakamoto. Foi uma celebração do legado de um dos grandes nomes da música eletroacústica, numa viagem sonora que ligou passado, presente e futuro.
Com tanta oferta e intensidade na programação, tive de fazer uma escolha: optei por viver apenas a noite de sexta-feira no Sónar by Night. Era humanamente impossível estar a 100% de dia e de noite, com tantos concertos, talks e experiências a absorver. Permite-me assim mergulhar verdadeiramente na energia noturna do festival, aproveitando ao máximo cada momento sem sacrificar a experiência única do Sónar by Day.
O Sónar by Night é sinónimo de energia, comunidade e grandes momentos, mesmo com a logística desafiante entre 3 palcos, que exigia deslocações constantes para aproveitar ao máximo cada palco. A noite de sexta-feira destacou-se como uma verdadeira celebração da música eletrónica global: BICEP apresentaram o espetáculo audiovisual ‘CHROMA’, transformando o pavilhão principal num oceano de luz e emoção, com o clímax ao som de “Glue”, que levou o público ao êxtase. Elkka, depois de uma talk inspiradora sobre cultura clubbing, entregou um set noturno sexy e energético, enquanto Helena Hauff encerrou a noite com um set 100% vinil, puro techno analógico, reafirmando o seu estatuto de referência na cena internacional.
Peggy Gou cativou o pavilhão com o seu house contagiante, e o seu hit “It goes like this”. Richie Hawtin trouxe techno puro, poderoso e hipnótico, e Jayda G conquistou a pista com o seu carisma e um house soulful, enchendo o espaço de sorrisos sob a lua cheia. Max Cooper voltou a surpreender com o projeto Lattice 3D/AV, já apresentado em Lisboa, oferecendo uma experiência sensorial onde som e imagem se fundem numa imersão total.
A programação internacional brilhou com atuações inesquecíveis, tornando o Sónar by Night um verdadeiro paraíso eletrónico, onde a comunhão entre artistas e público fez-se sentir até ao nascer do sol.

Para ser sincera, depois da controvérsia em torno da KKR, pensei seriamente em não ir ao Sónar este ano. Mas depois li a declaração pública deles – Sónar Responds (site oficial) – e tive tempo para refletir. As palavras foram claras, diretas e alinhadas com os valores que acredito que devem guiar as plataformas culturais: condenaram inequivocamente o genocídio do povo palestiniano, reconheceram a sua responsabilidade como agentes culturais e detalharam a forma como tomaram medidas. Não foi perfeito, mas pareceu-me transparente e empenhado. Essa abertura para ouvir, para evoluir e para permanecer independente em espírito – apesar da propriedade externa – lembrou-me porque é que o Sónar ainda tem significado após todos estes anos.
Até porque, durante a sua atuação, os Modeselektor fizeram questão de projetar a bandeira da Palestina, acompanhada das palavras “Free Palestine” e do símbolo do Sónar, numa das imagens mais marcantes do festival. Este gesto, claramente declarativo, foi mais do que uma manifestação individual: pareceu-me um sinal inequívoco da posição do festival e da sua comunidade perante questões urgentes de justiça social e direitos humanos.
Num evento que sempre se afirmou como espaço de liberdade, diálogo e responsabilidade cultural, este momento foi um lembrete poderoso de que a música eletrónica, continua a ser uma plataforma relevante para a expressão política e para a defesa de valores universais.
Fotografias gentilmente cedidas pela organização!






























