Muito se fala deles ao longo de cada ano, mas poucos sabem o que está por trás da denominação das tempestades tropicais atlânticas. Sendo um dos âmbitos do Altamont a partilha de conhecimento aqui fica um pouco de contexto sobre este importante tema:
Há centenas de anos que se dão nomes a tempestades. Em séculos passados era utilizado o nome do santo padroeiro do dia para o identificar. Com o aparecimento da meteorologia moderna optou-se por utilizar as coordenadas longitude/latitude, o que, como podem imaginar, só complicava e originava erros. Assim, e de forma a facilitar a comunicação sobre estes fenómenos, a partir de 1953 ficou decidido atribuir-se nomes femininos a cada um deles. Em 1979 equilibrou-se a balança, passando a ser metade dos nomes masculino, metade feminino, de forma alternada. É este o sistema em vigor hoje em dia, com uma lista de 21 nomes cada um com uma letra do alfabeto, anos par começam com nome masculino, anos ímpar começam com feminino. Há uma tabela para 6 anos que se vai repetindo, havendo espaço para substituições quando determinado nome fica conotado com destrução massiva causada (por exemplo Katrina, Sandy).
Isto tudo para chegar onde – o nome Silvia não está nesta lista de furacões atlânticos, mas estaria certamente se conhecessem Sílvia Pérez Cruz. Porque estar numa sala de concerto a ouvi-la cantar é de tal forma arrasador, intenso, arrepiante que é impossível ficar incólume. Foi o que aconteceu no passado mês de Março em concerto em nome próprio na Gulbenkian. Foi o que aconteceu em Novembro passado no CCB, onde Sílvia foi uma das convidadas de Júlio Resende (juntamente com Moreno Veloso) para apresentação do seu Fado & Further. Foi certamente o que terá acontecido (este infelizmente perdi) em Setembro de 2014 na Gulbenkian, também com Resende e Gisela João.
A catalã de 32 anos, fenómeno em Espanha mas ainda uma quase total desconhecida em Portugal (neste aspecto padecemos de um grave problema linguístico, não conseguimos digerir com facilidade música cantada em espanhol e do lado de lá ainda menos face à música cantada em português) foi bastante prolífica durante os anos iniciais da sua carreira em diferentes grupos e colaborações mas só em 2012 lançou o seu primeiro disco em nome próprio, 11 de Noviembre. Nele, Sílvia mistura géneros que vão desde o flamenco ao jazz, passando pelo fado, a bossanova, o folclore galego e as habaneras e conta com a participação de António Zambujo, destacando-se a enorme “Pare Meu”.
Lançado já este ano chega-nos Domus, que mais não é do que um disco que serve de banda sonora ao filme “Cerca de tu casa”, que se estreará em Setembro deste ano. Um pouco na senda de “Dancer in the Dark” de Lars Von Trier, Sílvia interpreta a personagem principal do musical que se debruça sobre a dificuldade passada por milhares de espanhóis em manter as suas casas após a queda do mercado em 2008. Estamos portanto aqui a aliar das grandes artes, música e cinema, e a criar dois produtos que funcionam por si. Domus é disco de corpo inteiro, para se enfrentar de corpo aberto, dar o peito às balas que aí vêm porque Sílvia utiliza todas as suas armas, a sua alma, o seu corpo, o seu sangue e sobretudo a voz para nos fazer rir na mesma medida que para nos fazer chorar. A voz, a inacreditável voz. É de se ouvir e de se deixar levar pelo furacão, com uma única certeza – nada ficará igual.