No passado sábado, Romeu Bairos apresentou na SMUP o seu primeiro álbum, Romê das Fürnas. Com descontração e carinho, fez-se uma grande festa de amor às ilhas, à música e à comunidade.
O grande salão foi recebendo a audiência da noite que formava uma grande fila à sua porta para entrar. A pedido do artista, o palco estava montado no chão do salão, bem próximo do público, chamando toda a gente para uma meia lua apertada e atenta, porque, de outra forma, qualquer pessoa de estatura média deixava de ver o espectáculo a partir da quarta fila.
O ambiente de espera pelo início do concerto dava ares de uma vez em que fui ao teatro na Ilha Terceira: as pessoas vinham em grupos grandes, encontravam amigos pelo caminho, abraçavam-se e beijavam-se com a alegria de quem não sai de casa há muitos dias por causa da chuva infinita que assola Lisboa há semanas seguidas. Era comunidade o que ali se sentia. A SMUP é um lugar raro, e que deve ser muito bem estimado, de comunidade, numa cidade cada vez mais igual a nada e crescentemente diferente de si mesma. Era precisamente isso que estava a ser celebrado neste sábado à noite, a comunidade que resiste, as novas gerações que regressam às passadas em busca da identidade que parece cada vez mais desvanecer-se.
“Can we put the jack in the cavaquinho?”, perguntou o Éme ao técnico de som quando entrou acompanhado de Moxila para fazerem uma espécie primeira parte enquanto Romeu Bairos não se aprontava. “Chama, chama” e “Relaxado” aqueceram o palco, com a sua energia divertida e melodias doces, até que entrou também a banda de Romeu para acompanhar o dueto na sua última música.
Com a audiência já composta, Romeu Bairos apareceu finalmente, juntando-se a Nuno Lucas (baixo), Paulo Borges (acordeão) e Manuel Pinheiro (percussão). “Sol Baixinho”, uma das três canções tradicionais açorianas que fazem parte de Romê das Fürnas, abriu o alinhamento da noite, sendo seguida por “S. Macaio”, canção dançada terceirense recuperada por José Afonso em Contos Velhos Rumos Novos, que, como boa dança de roda, provocou os primeiros passinhos de dança na plateia.
Um concerto de apresentação de um disco etno-trad-punk como Romê das Fürnas não podia cingir-se às faixas que o compõem, pelo que um fado micaelense e “Pézinho da Vila”, o “maior hit de S. Miguel de todos os tempos” animaram a audiência, que acabou por levar dali umas quantas lições de cultura açoriana. Entre curtas pausas para contar histórias pessoais e fun facts dos Açores, o público paredense aprendeu que Vila Franca do Campo foi a primeira capital da ilha de S. Miguel e ficou a conhecer a tradição do Espírito Santo, por uma bandeira que Bairos trazia ao microfone.
Por muito que diga desprezar a sua discografia anterior, Romeu aproveitou a ocasião para voltar ao início da carreira, ao EP de 2019 Cavalo Dado, e tocou “Juro Que Já Não Dou Nela Meu Amor” e “Meu Amigo Anda Sozinho”, a primeira música que escreveu. Porque a sua carreira também já passou por encarnar um rapper numa série da Netflix, a sua versão acústica de “Eu não vou chorar”, hino de Sandro G, foi um dos momentos solenes e muito bonitos da noite.
Voltando ao seu álbum de estreia, Bairos tirou bom proveito de “Calços da Maia”, que contou com participação teatral de Lourenço Crespo e B Fachada, produtor do disco, que ficou ainda para cantar com o amigo a canção terceirense “Braços”. Seguiram-se “Manjericão”, música tradicional de S. Miguel, e “Jacinta”, o tema mais esperado pelo público. A última canção do concerto foi uma versão d’”Os Bravos”, outra canção da Terceira de que José Afonso fez uma versão em Baladas e Canções, que deu uma grande festa. Para o encore, ficou a restar “Roupa Lavada”, música íntima que Romeu escreveu sobre o avô que, como milhares de açorianos ao longo dos anos, emigrou para o Canadá nos anos 50 para fugir à pobreza.
Com uma viola da terra, um acordeão e um adufe fez-se uma celebração de várias terras geralmente encapsuladas numa só, cantou-se às mãos que trabalham e às vozes que lutam, abraçou-se quem se junta para criar coisas fortes e bonitas. Foi num concerto do Zeca Medeiros em que a luz foi abaixo mas toda a gente continuou a tocar que Romeu Bairos decidiu que queria ser artista, coisa pouco vista na terra onde nasceu. Com descontração e carinho, fez, no sábado passado, uma grande festa de amor às ilhas, à música, às gentes da sua terra. Da SMUP fomos transportados para as Capelas e, no meio de muitos obrigados aos seus companheiros, ao público e ao caminho que o trouxe até aqui, celebrou-se o sotaque e a comunidade.
Fotos em atualização