Vivemos numa sociedade desnorteada, com poucas referências que mereçam tal distinção. É preciso desviarmo-nos das toneladas de lixo que nos são atiradas para os olhos e ouvidos todos os dias, para encontrarmos algo que realmente mereça dedicar-lhe o nosso bem mais precioso – tempo. A nossa mortalidade obriga-nos a isso, a saber escolher bem que uso dar a cada minuto, a cada hora, a cada dia, qual relógio em contagem regressiva, qual pêndulo sobre as nossas cabeças a suspirar nos nossos ouvidos “Carpe Diem, carpe diem“. Diversificaram as fontes, cresceu a oferta de conteúdos e os homo sapiens que por aqui andam no ano da graça de dois mil e dezasseis sentir-se-ão, naturalmente, com dificuldades em gerir a bola de neve de informação que cresce ao seu redor.
Vem isto a propósito da recente entrega do Nobel da Literatura e da previsível torrente de opiniões, debates, entrevistas a Lobo Antunes (só se lembram dele por esta altura) e, sobretudo, disparo nas vendas de livros, desculpem, neste caso CD’s ou vinis do senhor laureado. Sim, este ano não haverá destaque na Bertrand nem na Ler Devagar para o Nobel, e quem se ficará a rir é a Fnac que já terá, com toda a certeza do mundo, logo à entrada das suas lojas exposto tudo o que é material produzido pelo laureado. À excepção, claro, de livros por si escritos que sirvam de base à razão do destaque. Não me interpretem mal, no meu entender Dylan está lá em cima ao nível de Zeus, Atena e restantes deuses do Olimpo, e por isso mesmo tenho dificuldade em perceber o sentido que faz entregar-lhe um prémio terrestre como este. É alguém que não precisa, está a ser escutado há pelo menos 50 anos e quem não o conhece só pode ser surdo. Quem conhece e não o ouve com uma frequência vá, semanal (diária seria ser exigente demais), é porque não está a ser eficiente em conseguir desviar-se das referidas acima toneladas de lixo que lhes estão a atirar para as vistas e está a desperdiçar o seu também acima referido bem mais precioso com o que não deve. E para se aperceberem disto não são precisos prémios, basta ter os ouvidos no sítio. Porque os prémios são um vício criado pela nossa sociedade, há prémios para tudo e mais alguma coisa como se lembrava e bem mais um Zeus no seu filme “Annie Hall” (vídeo, até 0:30):
ANNIE
If you must know, it’s a hectic time for Tony. The Grammys are tonight.
ALVY
The what?
ANNIE
The Grammys. He’s got a lotta records up for awards.
ALVY
You mean they give awards for that kind o’ music? I thought just earplugs.
ANNIE
Just forget it, Alvy, okay? Let’s just forget the conversation.
ALVY
(Yelling after her)
Awards! They do nothing but give out awards! I can’t believe it. Greatest, greatest fascist dictator, Adolf Hitler!
E o que advirá de bom dos prémios, para além do consolo para carneiros assim poderem comprar livros que nunca vão ler, ou, neste caso, discos que vão ouvir uma vez e ficar na prateleira o resto da vida? A meu ver pouco. Porque o prazer maior está na descoberta por cada pessoa das coisas que a entusiasmam, e não no ir atrás de algo porque recebeu prémios. E este é o ponto principal de todo este artigo.