O primeiro dia pode resumir-se assim: Alive no país das maravilhas!
A música ensina-nos, muitas vezes, a compreender o momento. O nosso e o dos outros. Tudo depende do que queremos ou podemos aceitar. Quando gostamos de certos estilos musicais, torna-se quase incompreensível que outros possam não apreciar, sendo que o contrário, naturalmente, também se verifica. Estamos a falar de música, convém enfatizar, e dos gostos ou desgostos que gravitam à volta dela. Servem estas palavras como introdução a esta reportagem Altamont do primeiro dia da 17ª edição do NOS Alive, acontecimento musical de referência em Portugal e também um pouco por toda a Europa e por todo o mundo.
É inevitável. Há sempre cartazes de festivais mais do agrado de uns que de outros. As palavras iniciais deste texto vão nesse sentido. Compreender e aceitar é um jogo interior que, a ser jogado, pode obrigar-nos a angústias ou a redenções, nos casos mais estremados. E, por vezes, é a pedra no meio do caminho que temos de contornar, observando ângulos nunca antes vistos e entendidos, que só se podem tornar claros se estivermos dispostos a isso. Esse foi o grande desafio. Quando se aceita esse jogo, tudo pode acontecer. E assim sendo, pensando no dia de ontem, os dados estavam lançados.
Mão Cabeça é um projeto interessante. Canções pop, alegres, com boas letras e outras, mais sérias, bem mais adultas do que a idade que quem as apresenta. Mão Cabeça são quatro músicos com coisas para dizer. “A Vida Que Se Cala”, o primeiro tema que ouvimos desta banda de Loures, embora infelizmente não desde o início, é uma malha bem boa. Dançável e com muita pinta. Da banda já constam dois eps no bolso do seu percurso. “A Cigarra e a Formiga” foi o primeiro tema que apanhámos na totalidade. “Deitar cedo e cedo erguer / Mesmo sem te apetecer / Tira a fome da barriga”. Estes versos, noutros tempos, teriam outro alcance político e social. Agora, talvez tenham também, que os tempos estão menos seguros do que imaginamos. No fundo, era o que dizíamos há pouco, embora agora numa outra perspectiva. Uma coisa pareceu-nos certo: há que seguir, estes Mão Cabeça. Cantam e percebe-se o que cantam. O cuidado com as palavras, com os versos parece ser algo perdido, atualmente, esquecido em alguma moda deste tempo. Aqui não há ironias, apenas quatro rapazes com boas ideias. “Há de haver / Algo mais profundo / Do que andar aqui no mundo / A ver passar os dias”. Ou, como cantam em “Contas de Cabeça”, “Ser feliz / Talvez ainda aconteça / Tirando a senha e a esperar / Num país / De pão e boa mesa / E poucos trocos pra contar”. Quem escreve e canta isto merece ser ouvido. Sim, senhor! Thumbs up para os Mão Cabeça.

A pop simples e sem rodriguinhos de Mark Ambor abriu o palco principal do recinto. Repleto de pessoas que já lá se encontravam há horas (e longa foi a espera, pois o que queriam ver começava apenas às 23.15), o músico foi disparando canções radio friendly para receber muitas palmas e divertimento como moeda de troca. Era o seu primeiro festival, por isso estava muitíssimo satisfeito. Era mesmo visível. Entre canções suas e uma ou outra cover (“Use Somebody”, dos Kings of Leon), por exemplo) o jovem músico entreteve bem quem tinha perante si. Alguma vez terá uma plateia destas à sua frente nos tempos mais próximos? Talvez, “Who Knows”? Ontem, como se viu em vários concertos, o que é simples pode resultar para certos públicos. Como quem sabe a tabuada e não se cansa de a repetir. Três vezes sete será sempre vinte e um, estejamos a falar de acordes ou de outra coisa qualquer. “It’s so good to be alive”, cantou o jovem em palco. Claro que sim, que concordamos. Pop on!
Baleia Baleia Baleia é o apocalipse, mas em boa onda. Divertimento puro, embora um pouco mais do que isso. “Fazemos muitas covers da Olivia Rodrigo”, disse Manuel Molarinho. Baixista e baterista, cada um mais doido do que o outro. Que bela dupla. “Tocar muito e falar pouco” foi o lema do concerto. E assim seguiu, embora com uma ou outra conversa / mensagem política pelo meio. Algumas canções novas, de um disco próximo, e tudo nelas tem a marca registada da banda. Agitar, partir tudo e continuar. O caos pode ser fértil e bom. Foi assim que nasceu o mundo, não foi? Não matem estas Baleias, por favor. Nem das outras, claro está. Foi uma curtição tremenda, mesmo que apenas para umas poucas dezenas de pessoas. O peso destas baleias é intenso e caótico. Há ruído em ordem. Tudo no sítio. Talvez não seja fácil, e resulta bem! “O meu ego é maior que o teu”. E nós perguntamos: do tamanho destas baleias? Então, pode ser. Que grande pedrada!

É dança que querem? Então tomem lá Barry Can’t Swim. Boa onda, tudo a mexer as pernas, gente às cavalitas com ar de quem tudo se faz por uma boa festa. É isso que Barry Can’t Swim soube dar, uma boa e saborosa festa. Bons sons, divertidos, muito mesmo. Enormes períodos instrumentais, poucos músicos em cima do palco, dois com teclados para dedilhar e uma bateria. Terá sido um dos concertos da noite? É bem provável que sim. Pena não o termos visto integralmente.
Até que havia chegado a hora do concerto mais esperado por vários milhares de pessoas. Olivia Rodrigo tinha uma imensa multidão aos seus pés. Curiosamente, o concerto iniciou-se com a projeção de um vídeo da artista a passar, cambaleante, de um lado ao outro do palco, por uma corda. Equilibrou-se quase até ao fim da travessia, não resistindo aos últimos passos. Caiu como Alice caiu depois de perseguir o coelho mais célebre da literatura ocidental. E, de repente, o que aconteceu naquela queda tão esmagadoramente visual, é a metáfora perfeita para o primeiro dia do Festival, e pode resumir-se assim: Alive no País das Maravilhas! Foi muito isto, o que ontem se foi passando, principalmente no palco principal. Uma série de artistas para adolescentes, para iniciantes no mundo da música e dos espetáculos ao vivo, milhares deles acompanhados por familiares (muitas mães e poucos pais), continuando-se e projetando-se em palco um imaginário que tão bem conhecem, à maneira do Canal Disney que, de alguma forma, foi formando gerações. Basta pensar, por exemplo, em Hannah Montana e acelerar um pouco no tempo até chegarmos a Olivia Rodrigo.

Por momentos, enquanto o concerto decorria, eram quase mais audíveis as vozes ao nosso redor do que a voz da cantora norte americana. Pop-rock de degustação imediata, bastante bem feito para o público em questão, descaindo para baladas ao piano e voltando, uma vez mais, ao ponto de partida mais ritmado. Foi um carrossel de emoções nos corações de quem ontem foi ao Passeio Marítimo de Algés apenas para aquele concerto em particular. Mega produção, não tão hollywoodesca como acontece com Taylor Swift, por exemplo, mas na mesma esteira. Lá chegará. Tudo trabalhado e preparado milimetricamente. Olivia Rodrigo (não) engana. Parece demasiadamente nova para saber tanto do meio em que se move. Controlar uma multidão daquelas não é para todos. Palmas para a equipa que com ela trabalha. E não é apenas pela conversa que cativa, quando quase revira os olhos de prazer ao falar dos deliciosos “pastéis de nata” que comeu. Nada disso. É pela receita exata dos seus temas, das suas letras, da empatia que promove ao cantá-las. Nesse sentido, Olivia Rodrigo é um fenómeno. Nem Cupido seria tão certeiro na sua mitológica função de atingir corações, abrindo-os instantaneamente ao amor.
Fotografias de Inês Silva exceto onde indicado.


















