No penúltimo dia de junho, a SMUP foi casa de mais uma Noite Fetra, em que se percorreu uma panóplia de estéticas – sonoras e visuais – e se deu ao público uma demonstração do trabalho que tem sido desenvolvido nos últimos tempos pela editora e coletivo.
No sábado passado, a SMUP encheu-se de amigos. As bandas eram feitas por amigos e amigas entre si, os amigos das bandas foram vê-las tocar, os amigos dos amigos afinal também se conheciam e no fim eram todos amigos. Quando da amizade nascem projetos inteiros, há muito carinho que paira à mistura da criatividade e da vontade de partilhar e de receber. A SMUP também se encheu de franjas e madeixas loiras, duma seleção das promoções de tudo a 1€ na Humana e da comunhão das dores da juventude. A SMUP foi, uma vez mais, casa da Noite Fetra, o já clássico evento de celebração da música e da amizade da editora e coletivo Cafetra Records.
A programação estava dividida entre a tarde no sótão e a noite no salão. Sempre pontuais, os concertos começaram pouco depois das 17h e só viriam a acabar no dia seguinte. No sótão, uma carpete demarcava o palco; à sua frente, espalhavam-se almofadas e espaços para sentar. Foi neste ambiente de cores quentes e silêncio respeitoso que começaram a ecoar as fortes canções de luta da Chica, cuja voz era acompanhada pelo contrabaixo de Bá Alvares, um registo a que já fomos habituados e do qual nunca nos cansamos. Os Scorpions do Barreiro seguiram-se no alinhamento, num improviso contínuo de maracas e sintetizadores, sem linha orientadora aparente e produtivo no seu próprio caos, numa mistura entre analógico e eletrónico para uma exploração de texturas sonoras. O hyperpop sobre dores de crescimento e corações partidos do quarteto Bejaflor x MC Falcona x Vert Gum x Carolina Miragaia, que tocou em nome do coletivo Æ, fez o último concerto da tarde.

Os c-mm abriram o palco do salão, pouco passava das 21h. Os primeiros acordes foram tocados como chamada do público ao palco, que se foi agregando a partir da sua ampla distribuição pelo espaço, interior e exterior. Os 20s servem, em grande medida, para fazermos jus à adolescência ocupada pela incompreensão e pelo sofrimento mais profundo. Ninguém sofre mais do que uma rapariga de 13 anos. Entre declamação e pós-punk, os c-mm fazem arte com os sentimentos pesados e contam histórias só para nós que estamos a ouvir atentamente. No meio dos berros há sensibilidade e da dor nascem poemas.

Em grande contraste com a atuação anterior, Éme e a sua banda subiram ao palco pouco depois. Entre ukuleles, pandeiretas, melódicas, adufes e harmónicas, o Disco Tinto fez o alinhamento, sendo tocados temas como “Dores Laborais”, “O Actor”, “Ratitos” e “Branco Maduro”. Em continuação com a onda de storytellers, Éme anunciou “Onde é que foi toda a gente?” como a sua música mais c-mm e “Disco Tinto” trouxe alegria colorida para a noite já escura. Com um concerto divertido e leve, houve ainda espaço para uma estreia em banda de uma música nova.

Começavam a ser muitas horas em pé de atenção e dança, mas havia ainda caminho até ao fim da Noite Fetra. Fez-se tempo de subirem ao palco Maria Reis com Tomé Silva e Francisco Couto. Chegaram para tocar, num compromisso certo e dedicado, que o público recebeu de braços abertos. A dança do outro lado do palco acompanhava a apresentação séria que surpreendeu os fãs mais assíduos. Suspiro…, álbum lançado em maio deste ano, foi central, havendo, no entanto, espaço para temas clássicos como “Teoria da Conspiração” e “Odeio-te”, dos EPs A Flor da Urtiga e Chove na Sala, Água nos Olhos, respetivamente. O salão da SMUP estava cheio de pessoas e seus movimentos efusivos. “Metadata”, “Coisas do Passado”, “Amor Serpente” e “Estagnação” puseram toda a gente a dançar e a cantar e “Holofote” fez um momento bonito, nesta que é a nossa atualidade.

Depois do concerto intenso de Gatafunho, que faria o público regressar ao caos do lineup e despertar a energia que restava pós-Maria Reis, Iguanas fecharam a Noite, com emoção e ritmos dançáveis em doses iguais. A setlist era composta de muitas músicas novas, que provam que o duo está de boa saúde, com letras íntimas e irónicas e loops de beats hipnóticos a chamar o verão. Já não se podia exigir muito da atenção da plateia depois de um alinhamento tão extenso, mas os versos captavam cada vez mais a expectativa de quem os ouvia pela primeira vez.
A Noite Fetra percorreu uma panóplia de estéticas – sonoras e visuais – e deu ao público uma demonstração do trabalho que tem sido desenvolvido nos últimos tempos pela editora e coletivo. Sem esquecer a comida deliciosa e o espaço familiar e aconchegante, foram muitas horas de descoberta e reencontros.
Texto e Fotografias por Ana Catarina Tiago