O Neopop voltou a Viana do Castelo para a sua 18.ª edição, reunindo três dias de música eletrónica onde veteranos e novos talentos partilharam palcos e pistas. Entre a imponência visual do Neo Stage, com o conceito Interplanetary Dance Music, e a atmosfera íntima do Anti Stage, o festival reafirmou-se como uma das principais referências do techno em Portugal, mantendo viva a fusão entre artistas nacionais e internacionais.
O Neopop aterrou em Viana do Castelo a 7 de agosto, inaugurando a sua 18ª edição com dois palcos e uma constelação de artistas. Infelizmente, não consegui chegar nesse dia, mas posso referir que contou com a abertura de Cardia b2b Syper no Neo Stage e Da Ni b2b Vasco Valente no Anti Stage. Adoraria ter apoiado os amigos Francisca Urbano em b2b com Johan e Luísa, e ter visto pela primeira vez Diana Oliveira, o muito aguardado Joseph Capriati b2b Freddy K (estreia mundial), seguido por Charlotte de Witte, Frank Maurel, I Hate Models e BIIA no Heineken Neo Stage. No Anti Stage, houve Lake Haze (live), Peach, Dresden (Ivan Smagghe & Manfredas), Goldie (em modo techno — ouvi dizer que foi uma das melhores viagens sonoras do festival), Aurora Halal (outra que gostaria muito de rever) e Ultrastation.
Foi o primeiro passo de uma viagem que só iria acelerar nos dias seguintes — e foi aí que entrei a bordo.
Ainda que o meu coração pertença a festivais rodeados de natureza, há algo no Neopop que me atrai de forma diferente. É a escola dos DJs — nacionais e internacionais — que conquistaram um espaço sólido de confiança no povo do techno. É um encontro com quem já moldou o género e com quem o está a reinventar. Para mim, acaba por ser uma aula viva, feita de lições e inspirações.
Observar cada artista é mais do que ouvir música: é ler a linguagem corporal, tentar adivinhar o que se passa na sua cabeça, perceber o impacto de cada decisão musical no público. E esse público… vi rostos jovens e outros já marcados pelo tempo, mas com a mesma energia de quem precisava libertar-se há algum tempo. O techno, tal como me aconteceu, serve para sacudir o pó acumulado — seja de longos períodos de estudo, tensões familiares ou simplesmente daquela urgência de dizer: “desamparem-me a loja!”.
Dia 08 — Entre amigos, abraços e motores rítmicos
O segundo dia do Neopop começou para mim ao cair da noite, com Rob di Stefano b2b Rui Vargas no Neo Stage. Dois amigos que carregam consigo três décadas de histórias, discos e pistas dançadas. Entre Nova Iorque e Lisboa, sentiu-se a cumplicidade de um reencontro de velhos amigos cúmplices: olhares, abraços, entendimento. Sem grandes gestos ou poses, apenas a partilha de uma conversa musical que começou nos anos 90 e continua a fazer sentido — uau!
Logo depois, Sama’ Abdulhadi — a primeira DJ palestiniana a conquistar projeção global — trouxe ao festival algo mais do que música: trouxe presença. Os seus ritmos, precisos e cheios de emoção, abriram espaço para respirar no meio da intensidade. Tive a sorte de trocar umas palavras e receber um abraço dela; um momento que ficou gravado como lembrete de resiliência e esperança, sobretudo face ao que acontece neste momento na Palestina. A inquietude de Sama é para mim, um misto de dor e empatia.
Richie Hawtin surgiu à meia-noite e meia, mas já o tinha visto no Sonar, então fiquei apenas pelo início — o suficiente para sentir aquela precisão minimalista — e rumei ao Anti Stage, quase vazio, para ver Funk Assault. Chlär, de quem sou fã assumida, e Alarico criaram um set que era puro motor: robusto, sincopado, com uma tensão controlada que te prende e liberta ao mesmo tempo.
Ainda fiquei para Zadig, que me surpreendeu com um techno cósmico e hipnótico, e dei um salto rápido a Ben Klock — figura que admirei muito na adolescência e que hoje, aos 53 anos, continua a ter um poder magnético impressionante. Voltei ao Anti Stage para Lewis Fautzi b2b The Advent, porque queria ver o Fautzi — nome português que conquistou o apoio de Jeff Mills e Oscar Mulero, também ele influenciou as minhas escutas há 10 anos atrás. O seu techno é estudado, respirado, vivido.
O dia terminou “cedo” para mim, mas não sem a sensação de que esta edição estava a ser marcada por encontros: com artistas, com amigos e com a energia crua que só o techno ao vivo consegue criar.

Dia 09 — O Último Grande Voo Interplanetário
No último dia do Neopop, o Heineken Neo Stage abriu com os Space Riders, dupla portuguesa formada por Tiago Marques e Tiago Carvalho. Seguiram-se os Freshkitos — Gustavo Pereira e Pedro Filipe Rodrigues (Philly) — verdadeiros “bosses” do Norte. Mais do que DJs, são cúmplices de uma história que atravessa mais de uma década de partilhas no underground portuense, muito antes do Gare se tornar referência no mapa europeu do techno. É fácil prever a química entre eles, transmitida numa viagem sonora coesa, numa única direção. Novamente, com uns visuais que construíam uma viagem perfeita em sincronia sonora.
À 01h00, chegou a lenda: Jeff Mills. O seu set híbrido, juntando CDJs e a mítica Roland TR-909, foi uma lição de técnica e controlo. Por vezes, o volume da 909 sobressaía ligeiramente, mas nada que tirasse o encanto. Foi hipnotizante perceber os seus timings e como escolhia precisamente quando introduzir claps, hi-hats e camadas rítmicas — uma oportunidade rara de entrar na mente de um mestre. Mais uma vez, não foi permitido filmar ou tirar fotos; na primeira fila viam-se 4 ou 5 seguranças a garantir que ninguém o fazia. Ainda assim, é de referir que, como comprovam as fotografias da Mafalda (que esteve sempre comigo), era raro ver telemóveis no ar: as pessoas estavam ligadas à experiência sonora e visual.
Depois, Nina Kraviz assumiu o comando, mantendo a intensidade e a pista viva com uma seleção mais psicadélica e hipnótica. A sua presença em palco é inconfundível: dança com o corpo inteiro, como se cada batida fosse um impulso elétrico a percorrer-lhe a espinha. Já a li dizer numa entrevista que “a música é a minha própria droga” — e, ao vê-la ali, é impossível não acreditar. Considerada uma das DJs e produtoras mais influentes da cena eletrónica atual, Nina construiu uma carreira sólida que vai muito além da pista, com lançamentos na sua label трип (Trip) que exploram sonoridades experimentais, trancy e desconcertantes. O seu estilo é marcado pela capacidade rara de alternar entre o mais calmo e o mais acelerado, criando momentos de suspensão e descarga que desafiam a previsibilidade. No Neopop, essa identidade estava toda lá: intensidade, entrega e alguma misticidade que prende o público até ao último segundo.
Logo depois de Nina, um silêncio que se fez sentir, o palco era preparado para três universos musicais a convergir num só, com improvisações e diálogos de veteranos em tempo real: o live conjunto de Colin Benders, Lady Starlight e Sterac. Não ficámos até ao fim, mas pelo início, prometeu ser uma viagem marcante. O amanhecer foi embalado por MARRØN, seguido pelo master Rødhåd. Para fechar, Sven Väth com um special closing set carregou a pista até às 11h30, encerrando não apenas uma noite, mas um capítulo inteiro do festival.
Enquanto isso, o Anti Stage guardava momentos de ligação mais íntima e profunda. O meu início por lá foi com James Grouper b2b Peter Mør — uma dupla improvisada a convite do festival. Tenho um carinho especial por estes dois, seja pelas conversas trocadas, pela ligação ao Vinculum Festival (que tive a oportunidade de viver recentemente) ou pelo acolhimento na Alínea A. Foram duas horas de pura exploração hipnótica e envolvente, dignas de abrir portas e preparar mentes. Seguiu-se Tiago Fragateiro, que vi ao vivo pela primeira vez. Herdou a pista quente deixada por Pedro e Tiago e reconstruiu-a num techno mais envolvente, e se sentiu o acelerar de BPM. Depois, Brusca b2b Laura — dupla habitual, mas sempre fresca. Diana Sabino (Brusca) traz experiência desde 2008, e Laura Hasagun, talento emergente da Madeira, alia irreverência e sofisticação. Juntas, oscilaram entre o techno hipnótico e o mais cru, sempre com energia contagiante.
Mais tarde, RUUAR e KOLO55 aumentaram a intensidade — e foi surpresa descobrir que KOLO55 é, afinal, o novo alias de Paul Ritch. O live de GLASKIN foi outro grande destaque: os irmãos Bockelmann mostraram que a improvisação ao vivo pode ser consistente e profundamente envolvente.
O amanhecer no Anti Stage ficou entregue a Héctor Oaks e Hadone, e o encerramento a Daria Kolosova b2b IMOGEN — que infelizmente já não consegui ver.
Ao longo de todo o festival, senti que o Anti Stage carregava uma energia mais underground e íntima, enquanto o Neo Stage era um espetáculo audiovisual de escala, com um trabalho artístico pensado ao detalhe para cada artista. Este palco contou com o conceito visual e estético Interplanetary Dance Music, desenvolvido em colaboração entre Studio Bruto, Serafim Mendes, Fernão Gonçalves e Dust Devices, que transformaram cada set numa viagem imersiva onde luz, cor e movimento dialogavam com a música. Esta combinação entre a proximidade crua do underground e a imersão grandiosa da produção principal é parte do que torna o Neopop tão especial.
Life After Pop 2025 — O Último Suspiro
No domingo, dia 10, antes de regressar ao Porto e já depois do check-out em Afife, ainda houve tempo para mais um capítulo desta maratona musical. Fiz uma visita à querida Carolina Lethô, que gentilmente me ofereceu um convite para o Life After Pop 2025, o after oficial do Neopop.
A manhã começou com Carolina Lethô b2b Terzi, criando uma atmosfera de reencontro e celebração. Cheguei depois, no momento em que Amulador assumia os decks — terceira vez que o ouvia neste verão, sempre confirmando a sua mestria e equilíbrio entre precisão e emoção e leitura de pista.
Seguiu-se o live de 2jack4you — e que live! Duas horas de entrega total, que passaram pelo acid, pelo deep, pelo house e techno, com coesão e fluidez raras. Depois, Nuno di Rosso b2b Bruma trouxeram uma conversa sonora dinâmico e eletrizante, com o sol a raiar e uma vista para o rio Lima, que trazia alguma frescura, também.
Para encerrar, a dupla de luxo Yen Sung & Photonz, diretamente de Lisboa. Foi impossível não sorrir ao lembrar que tive a sorte de editar uma música minha na label deles, Alphabet Street Music — um detalhe que tornou este fecho ainda mais especial. Eles são especiais!
Assim, entre abraços, música e reencontros, o after transformou-se numa despedida calorosa e prolongada, onde a energia do Neopop ainda ecoava, mas já com o sabor doce da memória.
Obrigada à curadoria e produção por manter viva esta fusão e por não desistirem de fazer do Neopop uma experiência única no calendário cultural e musical do país
Fotos: Mafalda Pombo Lopes























