Moura e Joana Guerra trouxeram magia ao Cartaxo. Enquanto lá fora as buzinas e as retóricas nos mordiam ou ouvidos, dentro do Centro Cultural sentia-se o poder fantástico da música!
Em noite de encerramento da campanha eleitoral para as Eleições Autárquicas, as ruas do Cartaxo transpirava luzes e buzinadelas. Temendo que aquela animação sugasse toda a energia disponível na cidade, ainda brincámos com a ideia de recrutar as caravanas para o regresso das Cartaxo Sessions pós férias de Verão. Receio infundado, e brincadeira sem efeito, a sessão de outubro encheu-se de gente que queria ouvir música a sério!
Num espaço de pouco mais de um ano já é a quarta ocasião que tenho de viver o esplendor de uma atuação da Joana Guerra e apraz-me desde já fazer duas afirmações. Começo assim por me lamentar e penitenciar por ter chegado tão atrasado ao trabalho desta violoncelista, compositora e improvisadora, que nos seus inúmeros projetos e colaborações vai tão depressa ao noise, à clássica erudita, como ao folk ou ao jazz, seguindo registos mais experimentais e de improvisação ou mais próximos do “formato canção” … mas sempre cativantes, sempre únicos e sempre brilhantes. Tanto que me perdi … dizia eu que cheguei tão atrasado que ainda me faltam muitas vezes mais para conseguir apanhar um pouco do que fui perdendo.
Depois, e caso estejam tão ou mais desfasados quanto eu (ou até menos), não há problema … todos estes momentos são únicos e irrepetíveis. Podem e devem ir escutando tudo o que está disponível nos mais diversos formatos em que podemos ouvir música, mas nada vos irá preparar para a maravilha que irão encontrar. E, por isso, vale sempre a pena … e valer a pena, neste contexto, é o meu understatement do ano.
A atuação da Joana nas Cartaxo Sessions não fugiu a nenhuma destas “regras” … única e maravilhosa. Do outro lado do palco, o público nas primeiras filas sentou-se para absorver com mais intensidade o que ia saindo de todas as partes do violoncelo, dos diferentes auxiliares de distorção e das cordas vocais da artista. Foi a vez que a ouvi cantar mais e, ao vivo, aproximar-se mais do tal formato canção! Continuou a haver espaço para a improvisação, para o sonho, para sentir a reação do público e até o impacto da acústica da sala … quando, a notas tantas, teve de fazer uma pausa para deixar assentar o som! Belíssimo … mais uma vez!
Depois do mundo das maravilhas, tempo para um salto lá fora para equilibrar o termostato, limpar o palato e preparar a viagem até à floresta encantada (estou certo que o Tiago Castro não se importará da citação) dos Moura. Este bando de galegos trazem-nos uma mistura mágica de Rock progressivo, psicadelismo, folk e de algum imaginário pagão que estamos habituados a associar àquele pedaço tão especial da Península Ibérica. No entanto, não concluam que vão encontrar 6 músicos vestidos de gnomos verdes, de fadas púrpura ou unicórnios multicoloridos. Os Moura abraçam as suas raízes regionais e carregam as tradições do seu povo tanto para as letras das suas canções como para as respectivas composições sónicas.
Não é, portanto, de estranhar que a eletricidade das guitarras e da respectiva profusão de pedais, partilhem o palco com brinquedos alucinados como o moog e o mellotron, dezenas de instrumentos percussivos e umas tantas ferramentas de trabalho agrícola. Confesso-me pouco adepto da maioria dos casamentos, e sobretudo das respectivas bodas, entre o Rock e o folclore, que muitas vezes acabam por estragar duas casas, se me permitem a liberdade na linguagem! Parecendo que não, até pela parafernália anteriormente descrita, os Moura são bem mais discretos e fazem a coisa resultar. Há lugar para tudo e está tudo no seu lugar … as agruras do trabalho e a festa da colheita, as dores no corpo e a literatura da alma.
Com três álbuns no bornal, o sexteto da Corunha desfolhou quase na íntegra, o seu aclamado segundo disco, Axexan, Espreitan de 2022, para depois nos mostrarem o rico miolo de Fume Santo de Loureiro, lançado no ano passado. Para o fim estava guardado o doce da versão da “Ronda das Mafarricas”, incluída no trabalho de estreia dos galegos (Moura, de 2020).
Os nossos parceiros das Cartaxo Sessions têm-nos habituado a belas noites de música, mas neste seu décimo terceiro aniversário, excederam-se. Muitos parabéns e ainda mais obrigados!
Texto e Fotografias: Rui Gato































