Mila Dores entregou-nos uma noite de música tradicional portuguesa, jazz, palavras de protesto e resistência na apresentação de BRAVA.
O dia tinha estado chuvoso e vários artistas escolheram a data de 15 de Março para as suas apresentações ao vivo em Lisboa, o que fez com o Tokyo não estivesse com a lotação que a Mila Dores merecia para a apresentação do seu disco BRAVA.
Em palco, a cantautora portuense agiganta-se de maneira proporcional ao seu talento e o espetáculo foi também crescendo até um final triunfante. Podemos dizer que o concerto teve duas partes: uma mais influenciada pela música tradicional portuguesa, e uma mais virada para o jazz, fazendo das hábeis letras escritas pela Mila o fio condutor.
Na esfera da música tradicional portuguesa houve espaço para uma canção tradicional de Trás-os-Montes, cantada à capela (estilo usado algumas vezes durante o espetáculo) e uma surpreendente junção de voz, bateria e adufe. Mas a sua formação é no Jazz, tendo até conquistado o premio de “Jovem Músico de Jazz” atribuído pelos promotores britânicos Jazz Yokshire, e muitas das canções de Mila Dores são influenciadas por este género, embora sempre com uma pitada de tradição portuguesa. Imaginem estar a ouvir uma música intensamente marcada pelo Jazz e no meio encontrar um trautear a fazer lembrar “Os Índios da Meia-Praia” de Zeca Afonso (uma das suas referências, a par de José Mário Branco).
Enquanto aguardávamos pelo concerto, no ecrã existente em palco, via-se a capa do disco BRAVA, uma imagem da Mila de lenço, isto fez-me lembrar a famosa figura de 1943, símbolo de luta e resistência feminina, com a personagem Rosie The Riveter e o solgan “We Can Do It”.
Talvez esta seja só uma sugestão minha porque associo a Mila a alguém que representa a luta feminista, muitas das suas letras remetem para a afirmação pessoal e valores igualitários na nossa realidade social, por exemplo as canções “Afia a Língua” ou “Nem Santa, Nem puta”, esta última levou o Tokyo a um singing game em modo “voz de avó da aldeia”, metade cantou “tira o bigode da sopa”, e a outra metade “deixa na beira do prato/ não sejas chato”.
Assistir um concerto da Mila Dores é assistir a alguém a fazer uma tapeçaria, alguém que entrança linhas tradicionais, mas que utiliza padrões contemporâneos; é ver alguém que nos embala, mas que ao mesmo tempo nos acorda; é uma oportunidade de ver o que de melhor se faz na música tradicional.
Alinhamento:
- Abram Alas
- Deixa Arder
- Limão e Jasmim
- Terra
- Tradição
- Fonte do Salgueirinho
- Senhora
- Não Te Ponhas a Jeito
- Salta a Cerca
- Roleta Russa
- Celofane
- Afia a Lingua
- Nem Santa, Nem Puta
Encore:
- Roleta Russa