Enquanto a agressividade do grunge destruia tudo, um par improvável inventava a dreampop para os tempos modernos.
As origens dos Mazzy Star podem encontrar-se na primeira metade dos anos 80, com o movimento Paisley Underground, uma espécie de revivalismo psicadélico inspirado em bandas dos anos 60, como os Love ou os Byrds. Uma das figuras de proa desse movimento californiano era ao guitarrista David Roback, que teve uma série de bandas do género até chegar aos Opal. Esta é a génese dos Mazzy Star, não apenas porque o território pisado era semelhante mas porque foi para esta banda que entrou uma jovem cantora para substituir a anterior vocalista, que se foi embora. Essa nova voz era a de Hope Sandoval.
Esta encarnação dos Opal ainda durou alguns anos, mas com o passar do tempo tornou-se óbvio que Sandoval queria ter uma maior participação nas músicas e que queria largar a herança Opal e criar algo novo. Foi assim que ela e Roback começaram o que viria a chamar-se Mazzy Star.
O primeiro disco, She hangs brightly, de 1990, teve alguma aceitação nos meios alternativos (e ganhou lugar entre os discos preferidos de um tal de Kurt Cobain…), mas foi com o seguinte, este So tonight that I might see, de 1993, que a banda se afirmou para sempre.
Não é que este álbum mudasse radicalmente o som do grupo, mas foi aqui que ele surgiu mais maturado do que nunca, em todo o seu esplendor.
É claro que não se pode falar de So tonight that I might see ou até de Mazzy Star sem falar de “Fade into you“, o grande sucesso da banda e a música que lhes assegurou um lugar no imaginário colectivo. Esse enorme single, uma lindíssima balada negra, furou na MTV, um meio perfeito para mostrar ao mundo a figura de Hope Sandoval, aquela rapariga bonita e de ar melancólico que tão bem casava com o tema.
Não deixa de ser curioso que aquela música – que praticamente definiu os Mazzy Star para o mundo – não seja absolutamente característica do som do grupo. Esse grande momento “pop” é uma espécie de ave rara em So tonight that I might see, cujas outras músicas são mais ilustrativas do estilo de Roback e Sandoval: guitarras narcóticas, lentas e distorcidas, no limite do feedback, exercícios mais circulares e menos formato canção, mais experimentalismo e menos tiro comercial certeiro.
Essa “estranheza” pode ser ouvida em “Mary of silence”, uma canção negra como a noite; em “She’s my baby”, em que uma guitarra acústica Led Zeppeliana é afogada em reverb eléctrico; ou na bluesy opressiva que é “Wasted”.
É claro que há também a beleza cansada e plácida de “Five string serenade”, a melancolia narcótica de “Blue Light” ou o longo e bonito lamento acústico de “Into dust”, abrindo um pouco as janelas desta claustrofobia emocional.
O fecho, com a faixa-título, é quase um manifesto artístico, uma deambulação lenta, com ecos de “All tomorrow’s parties” dos Velvet Underground, toda feita de improvisos eléctricos, uma voz hipnótica mas comandante, uma marcha ritmada em direcção ao coração da noite escura.
E é desta mistura, algures no meio de tudo isto, que está a essência dos Mazzy Star e de So tonight that I might see. Um disco negro mas bonito, onírico, enigmático e cool como um filme de David Lynch.
Nos anos 90, “Fade into you” era presença obrigatória em qualquer mixtape amorosa (em cassete, claro) que se fizesse; e este disco era o pano de fundo musical para os primeiros beijos e amassos de todos os adolescentes com a mania que eram diferentes e especiais.
Ouvir Mazzy Star e ter o poster com esta capa na parede do quarto era uma espécie de senha, de que havia ali algo de profundo, de complexo, e de que tínhamos a vontade de saber mais.
Os Mazzy Star editaram pouco mas viriam a fazer mais discos, também bastante bons. Mas este é aquele que captura um momento, uma essência, e que viria a lançar as bases de uma dreampop moderna que dura até hoje.