O primeiro disco a solo do mais novo dos irmãos Gallagher traz-nos o vocalista em topo de forma e a pisar terrenos que lhe são familiares, num álbum que não deslumbra mas que dá para matar bem as saudades dos tempos em que a britpop mandava no mundo.
O puto está de volta. Liam Gallagher, o conflituoso e descarado mano mais novo das traves-mestras dos Oasis, acaba de lançar o seu primeiro álbum a solo, depois de dois discos com os Beady Eye (que contava com membros da sua antiga banda, mas não com o fundamental irmão Noel).
Liam tem afirmado sempre a necessidade de estar numa banda, num clã, num gang, num grupo unido e organizado contra o mundo. Mesmo agora, enquanto insulta o irmão e compositor-mor dos Oasis, continua a dizer que juntaria a sua velha banda num ápice, tendo mesmo sugerido um concerto de regresso com os Verve e os Stone Roses (não vai acontecer, diz Noel). Daí que seja curiosa esta investida a solo de Liam, que admite ser muito estranho e até algo solitário ter o seu nome sozinho, lá no alto.
Liam é uma rock star, uma das poucas que ainda existem. Nasceu para o ser, e aquela que em tempos chegou a ser a maior banda do mundo foi finalmente o veículo para aquela energia, aquela pose arrogante, aquele carisma. E é um dos grandes vocalistas pop-rock dos últimos anos. Só tem um problema: não é um compositor, e uma banda faz-se de muitas coisas, começando pelo material que tem para apresentar.
Quando assinou com a Warner, em 2016, descansou a editora: já tinha canções escritas. Mais exactamente, duas. De imediato, a Warner começou a pensar com quem o podia juntar para ajudar na composição e na atribuição de um foco musical a toda a fome que Liam apresentava. Este As You Were é, por isso, um trabalho conjunto, de Liam com vários compositores e produtores, em que o cantor é, no fundo, o fio condutor.
Apesar disso, o disco acaba por conseguir ter uma coesão temática e musical bastante apreciável. Os terrenos que pisa são, na sua esmagadora maioria, aqueles dominados em tempos pelos Oasis. Não se espere por aqui nenhuma revolução. Liam Gallagher não é exactamente muito original, mantendo-se perto daquilo que são as suas forças, os seus clichés líricos, o seu timbre e a sua forma de cantar. E, por falar nisso, há que destacar a belíssima forma da sua voz. Continua a ser um vocalista de excepção, transpirando carisma e confiança, e este disco só vem confirmar que isso continua lá, isso e a sua ‘star quality’.
Os pontos fracos são alguma falta de consistência na qualidade de alguns temas, no fundo algo que os próprios Oasis já demonstravam nos seus últimos discos. Ainda assim, é uma obra que com certeza ecoará fundo nos fãs da britpop dos anos 90, nos saudosistas dos Oasis (entre os quais nos assumimos) e, genericamente, em quem quer ouvir um bom disco pop-rock com sangue na guelra. A reacção, essa, também foi bastante positiva. As You Were chegou ao sempre almejado número um do top britânico e tem recebido críticas maioritariamente encorajadoras.
Entre os 12 temas da edição normal, e entre os 15 da edição deluxe, destacamos o single de avanço “Wall of Glass”; a belíssima balada “Paper Crown”; a muito Oasis “For What’s Worth”; e a britpop maior que a vida de “Come back to me”, entre outros.
Num momento em que Noel Gallagher está prestes a editar um novo disco com os seus High Flying Birds, não conseguimos deixar de pensar no que seria se os velhos irmãos se conseguissem juntar de novo. Com o carisma e a voz de Liam, e com as composições e a guitarra de Noel, quem sabe que presentes ainda poderiam dar ao mundo? Provavelmente nunca saberemos, mas neste As You Were há momentos em que quase podemos imaginar os solos fluidos e melodiosos de Noel a entrar em cena e a elevar tudo a um nível superior. Não acontece, e assim ficamos com um disco bom, quando podia ser um disco óptimo.