YAW TEMBE (Suazilândia/Portugal). Um discurso inventivo q.b. mas ainda imberbe. Tembe afogou o seu trompete em água – literalmente – e ofereceu-nos um espectáculo tímido (não propriamente num mau sentido) de respirações, roncos, silêncios, nébulas, hesitações, incertezas. Depois, com um trompete de bolso artilhado com a repartição das saídas do som em três, cada um para seu microfone, o músico montou um dispositivo estereofónico que poderia ter resultado melhor se as condições acústicas da sala fossem melhores.
As condições da sala foram, aliás – e há que dizê-lo, e há que ter pena ao dizê-lo, porque há que reconhecer que a ZDB é importante, há que dizer que a ZDB é muito importante para todos nós – longe de ideais. Porque quando um espectáculo é feito de silêncios, quando num tema musical as pausas são tão importantes quanto os sopros, é deplorável termos que ouvir os clicks constantes de fotógrafos insensíveis que não sabem escolher os momentos certos para premir o gatilho. O digital tem esta coisa triste de levar fotógrafos a tirar 158 fotografias por concerto, disparos ao calhas a ver se algum tiro tem a casualidade de ser decente. Além disso, a porta da sala aberta, a malta que paga bilhete e fica no bar a beber, a rir, a gritar. E o vidro para a rua tem a sua piada e faz da ZDB um espaço característico, mas, novamente, num espectáculo que se faz de pausas e respirações e em que qualquer pequeno sopro, qualquer bafejo é para se ouvir e se sentir, é desconcertante sermos interrompidos pelos movimentos da rua, pelos faróis dos carros. Falo aqui de adaptação ao tipo de evento.
Vi KEN VANDERMARK (Chicago) e PAAL NILSSEN-LOVE (Oslo) pela primeira vez tocando um com o outro. Mas com mais outras oito pessoas. O dream-team do free jazz montado pelo gigante Peter Brotzmann fechava o Jazz em Agosto de 2008 como uma descida vertiginosa aos infernos. De toda essa gente grande, alguns nos foram brindando com concertos em Lisboa com uma certa regularidade, nunca com os mesmos conjuntos (surpreendamo-nos com a multiplicidade de projectos de um e de outro). E para quem estivesse habituado a estas lides e conhecesse os dois nomes que na passada sexta-feira destroçaram o aquário da ZDB, saberia que não iria voltar a casa desiludido. Marca garantida para quando o que se quer é a loiça partida. PUM AAA BANG VRUMM PATCHUM BRRRR PAAA TCHLINN PANK BRAAA. Sim, tudo isto em acústico. Vandermark: uns pulmões que vão daqui a Chicago. Nilssen-Love: magoando as peles da sua bateria. Só os dois: menos harmonia de outros projectos, modo partir cascalho. Sintonia perfeita, dessintonia perfeita. Cada um na sua viagem, os dois na mesma viagem. Um clímax contínuo, um foguetão que sobe e sobe e dura e dura, um êxtase sem fim, exasperante, uma luta contra as leis da gravidade, uma explosão que continua a explodir sem nunca ver fim, que leva em arrastão tudo atrás de si, prédios vidros poeiras, uma aceleração contínua, um aumento constante, uma máquina automóvel com 32 mudanças, passando de uma para outra e para outra e nunca deixando de pedir outras mais, VRUMM BAAA BRRIIII PUM PAK, e aquela respiração circular no clarinete na introdução ao terceiro tema.
Sim, claro que os problemas da sala anteriormente apresentados não fizeram qualquer sentido nesta segunda parte. Se em Yaw Tembe gostaria de ter estado no pequeno auditório da Culturgest, lembro-me da última vez que vi o Vandermark nessa mesma sala e uma senhora ao meu lado me pediu para deixar de bater o pé. Como se isso fosse possível…
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(Fotos: olhos(«Ä»)zumbir)