Uma noite fresca de Verão onde foi possível arrefecer a pele e aquecer a alma.
O terceiro dia nos Jardins do Marquês foi temperado e ameno. Mayra Andrade entra serena, o seu belíssimo sorriso caloroso para um público ainda muito disperso, claramente a descomprimir e a arrefecer o corpo da última onda de calor. O vento que costuma ser típico neste festival e vem para roubar protagonismo e incomodar, foi desta vez sobejamente desejado e acatou ficar em 2º plano.
Está vestida de branco, descalça, e em dupla com Djodje Almeida ocupam uma mini sala de estar no palco que é cenário para o seu mais recente projecto reEncanto onde revisita vários temas, já lançados, em modo poltrona, voz e violão (e vários pequenos instrumentos de percussão que também ela tocou). Não é a sua primeira vez neste festival e o ambiente parece ser ideal para esse conceito mais “intimista, aconchegante e confortável”.
Com temas dos seus 5 álbuns, a presença madura e carismática de Mayra vai chegando, formigando nos pés de um público teimosamente agarrado às cadeiras mas do qual não desistiu, chegando a ameaçar começar a contar piadas. Intimista nunca significou aborrecido nem parado. É nas canções “Afeto” e “Manga” que os presentes se começam a entregar e em “Pull up” que uma plateia bem composta, finalmente canta com ela. Se Mayra traz a voz quente e eloquente, Djodje é virtuoso na guitarra e na parceria.
O momento alto estaria guardado para o tema “Vapor di Imigrason”, durante o qual assinalou a comemoração dos 50 anos da independência de Cabo Verde e estendeu o acolhimento a todos os emigrantes ali presentes. Certo assim, com todos de pé e a dançar (Daniela Mercury no público, também fez festa), termina em agradecimentos e pedido de palmas a toda a equipa. Bravo.
A noite era de Verão e faltava ouvir José Gonzalez. Com mais de 20 anos de carreira a solo e presença recorrente em Portugal nos últimos anos, os Jardins encheram para o receber e sentiu-se a vontade dos fãs. Cantor e compositor de indie folk, sueco filho de argentinos, Gonzalez marca presença apenas com a sua guitarra, da qual fez sua casa, e convida-nos a ouvi-lo como quem chega de mansinho mas não faz cerimónias. O seu espírito animal de palco é tímido, simples, discreto, dando a impressão de que vive sozinho num universo paralelo de acordes, arranjos e harmonias, com paredes de vidro robustas mas através das quais nos deixa ver e provar.
Cantado em inglês, espanhol e sueco, a composição na guitarra só enriquece com alguns efeitos. Não se prendam à aura nostálgica e a doce melancolia na voz, o seu dedilhar é fervoroso e a música, habitualmente tranquila, é bastante introspectiva e convida à reflexão. Doutorado em bioquímica, começou tardiamente a misturar a visão artística com a científica, escrevendo honestamente sob um ponto de vista humanístico, muito pessoal e racional.
Atravessando o seu repertório, é com o tema “Teardrop” (esse mesmo) que escolhe fechar a noite. “O amor é um verbo e palavra de ação.”
Coerente com o registo da noite, entre concertos no palco principal, ainda foi possível ouvir Carolina Viana no palco Nortada, com o seu projecto musical intitulado Malva. Já com um segundo álbum editado este ano, Poros é um trabalho mais colaborativo, que trouxe uma expressividade instrumental mais rica à doçura da sua voz. No tempo curto para tanta vontade de partilhar, o que falou mais alto foram todas as emoções que pareceram correr entre a flor da pele da própria, e a nossa.
Fotografias de Felipe Kido


































