Das tripas coração, da música compreensão. A missa a metade, a vida por inteiro. Se os passos pequeninos dos Hetta os fizeram grandes, o álbum de estreia torna-os reais.
Apesar de o hardcore não ser o go-to do comum mortal, os Hetta foram construindo uma base de fãs com um hype surpreendente. Não é como se o hardcore tivesse voltado, talvez mais como se ele nunca se tivesse ido embora. A margem sul a contaminar a margem norte com o ruído e a revolta que Lisboa ensurdecia. Aparentemente havia muito para expurgar: e os Hetta não haveriam de ser outra coisa do que um óptimo canal para deixar sair a dor e a sujidade.
Acetate é o primeiro álbum, mas traz mais do que a continuação dos temas editados no passado – os gritos, a velocidade, a violência continuam lá. Mas a voz não está sempre no mesmo lugar, canta, berra, lamenta. Enquanto a guitarra chora, o baixo socorre e a bateria não arreda pé. A beleza no caos, a morte ao silêncio. Tudo no mesmo saco. E se não for para deitar fora, é porque é mesmo para pegar fogo.
O disco começa assim mesmo – incendiário – mas “Twin Scissors” é a primeira a cativar o ouvido. É sôfrega, rápida e intensa. Emocional até. “Plainclothes Man” segue-lhe com a pujança de riffs de puxar cabelos. A montanha-russa continua entre desvarios instrumentais e cabeçadas necessárias. É, no entanto, difícil não fazer menção a “Caught Again”. Entre o jogo de valores e o começar de novo, a voz de Alex encontra um novo lugar. E se falam em imortalidade, a vida deste instrumental vale-lhe uma esperança de vida maior do que a nossa, comuns mortais.
E se a pressa que escutamos é a fúria que nos move, “That’s Not My Skin You’re Eat” e “Husband and Bride” são também pratos a eleger. Entre o melódico e o enraivecido, o álbum derrama até ao fim o negrume que a vida acumulou. Não é barulho. É o desbravar de um caminho que se antevê longo. As referências do HC, o pezinho no screamo, os breaks a saber a Title Fight, o amadurecimento de um pequeno sonho. “All songs are love songs when I’m in control”, dizem na última faixa, “Triple Tracy”. As canções de amor não estão circunscritas a um género. Também podem carregar cólera, incerteza e tristeza. O que o berro disfarça, a letra não esconde.
A missão dos Hetta não se fica por aqui: evangelizar com o peso da música para retirar o peso da vida pesa também. Não foi por acaso que a Lovers & Lollypops lhes deu casa. Há sumo para espremer, sangue para jorrar. E nós vamos ficar para mais um copo. Até não haver mais para beber.