Este é um álbum único, em que os Geese repensaram a forma de estruturar músicas como também a forma de expressar tristeza através de sons que evocam paradoxalmente uma certa claridade.
Baba, ranho e rock’n’roll.
Os Geese são uma das poucas bandas de rock, nascidas nos últimos cinco anos, que realmente aprecio. Talento como este, infelizmente, é uma agulha no palheiro. Passaram despercebidos com o seu álbum de estreia, Projector, mas não por muito tempo. Dois anos depois, lançam 3D Country, cuja surpreendente qualidade e inovação deixaram críticos de todo o mundo boquiabertos. E quando alguns já começavam a conseguir fechar a boca, toma lá outro, em setembro deste ano. Contudo, não foi o meu caso. Achei que este não saiu tão bem, e, por isso, devo dizer que me deixou apenas semi-boquiaberto. O que não é mau de todo, quer dizer que gostei. E que também me dói menos o maxilar.
É de seu nome Getting Killed, este álbum que, como devem calcular, não vem falar dos belos prazeres de estar vivo e de longos passeios pela praia. Não, felicidade é na porta ao lado, o Phil Collins atender-vos-á. Este é um álbum que deve ser ouvido na sala de espera de um centro de oncologia ou à frente de um bocado de bolor. Cameron Winter, vocalista, multi-instrumentista e melancólico profissional, com o seu talento extraordinário para fazer letras desoladoras que esvaziam de nós qualquer esperança que haja na possibilidade de uma vida minimamente feliz, consegue com que cada música nos faça desejar próprio o título do álbum.
Já sentem falta de alguma negação, rancor e angústia nas vossas vidas? “Half Real”, “Au Pays du Cocaine” e “Bow Down” são obras-primas da mágoa e não falham no que toca a uma boa choradeira. Aqui só há da boa melancolia e do melhor desgosto. Vejo Winter vestido de varina com a mão na anca a gritar pelo mercado: “Olha o desgosto! Olha o desgosto fresquinho!”
A lírica é, sem dúvida, o fator “mete lá isso para trás” deste álbum, porque é o que carrega quase toda a carga emocional das músicas. As letras passam de um discurso cuidado para um desabafo sem pontos e vírgulas. Muitas vezes, entre um verso e o que vem logo a seguir. O que faz parecer que num momento estamos a ouvir Mário Cesariny e no outro o Sr. Mário, da tabacaria da esquina. Varia constantemente entre o híper simbólico e o conversacional. E isso é o que distingue a escrita de Winter dos restantes “calimeros”. Consegue descrever de modo preciso o limbo, em que comumente nos encontramos, entre a razão e o que nos vem na alma.
Bom, também há música. Já me ia esquecendo. Desta vez com uma clara influência do country, mais clara ainda do que, ironicamente, em 3D Country, e surge com mais assertividade na variante balada melosa, que produziu alguns momentos memoráveis, como “Half Real” e “Cobra”. Também outras mais “mexidinhas”, como “Getting Killed” ou “Taxes”, com boas guitarras elétricas, que até dão vontade de sair da posição fetal. E as restantes ora tendem para a balada indie forte e feia (“Au Pays du Cocaine”), ora para o blues rock que já se vira em 3D Country, embora aqui com contornos mais apocalípticos, em que todos os instrumentos parecem tocar numa música diferente.
No entanto, apesar de, por um lado, explorar uma nova palete de sons, o álbum fica repetitivo. Mas essa nova palete de sons fica velha muito cedo. A questão não é haver muitas baladas, a questão é serem muito parecidas. Nem tenho problemas com o novo estilo de canto deambulatório, quase de monge budista a meio do mantra, presente em quase todas as músicas, de Winter. O problema é que, depois de repetido muitas vezes, deixa algumas melodias vocais um bocado frouxas, monótonas e sem capacidade de acompanhar, a meu ver, o instrumental, que coloca sempre a fasquia lá em cima.
Este é um álbum único, em que os Geese repensaram a forma de estruturar músicas como também a forma de expressar tristeza através de sons que evocam paradoxalmente uma certa claridade. Serviu de bom um laboratório onde se entregaram sem inibição às suas mentes criativas. Mas, para mim, o produto já foi melhor. E, por isso, também espero, depois de acabarem com o stock de lenços de papel das vossas mercearias com Getting Killed, que esta nova ascensão da banda ponha a claro o brilhante álbum que fizeram antes.