Os Fontaines D.C deixaram de ser mais uma banda indie – são, neste momento, a banda indie.
O amor por esta banda é o mais próximo que se arranja de universal, neste oceano de música em expansão em que cada um se pode facilmente isolar na sua pequena ilha. Mas, agora emerge uma ténue esperança para a criação de um território comum. Serão os Fontaines D.C a tão aguardada “cola” da inconciliável variedade de gostos e gostinhos que é a atual geração jovem?
Tudo começou em abril. O lançamento do single “Starburster”, juntamente com o seu estonteante sucesso, foi um feliz e inédito fenómeno nas suas carreiras. Explodiu como nunca um single de Fontaines D.C tinha explodido. Um bem chamado hit single – dentro da sua escala, claro – que foi buscar público a cantos da música há alguns anos inalcançáveis (rap e hip-hop) e fez com que as audiências quadruplicassem. Começavam já a correr boatos de que uma obra-prima, certa e sabida, estava para vir em agosto.
Nos entretantos, decidem lançar mais três singles, que, apesar de serem excelentes temas – como por exemplo, “Favourite”, a receita para uma música pop perfeita -, estiveram longe de causar o mesmo impacto do primeiro. Neste momento da história, o hip-hop é o género no topo da pirâmide, levando, assim, os Fontaines D.C a apropriar-se dele numa genial jogada de marketing, e a fazer “Starburster” – uma mudança radical de linguagem, embora repleta de óbvias marcas do seu estilo inconfundível – que se tornaria naturalmente no seu hit single.
Em contagem decrescente, o mundo fitava de olhos esperançosos estes músicos irlandeses, que tinham – e ainda têm – nas suas mãos a oportunidade de dar aos jovens algo de que possam falar todos com o mesmo entusiamo no futuro. Esperava-se algo que, no mínimo, mudasse drasticamente o panorama musical. Infelizmente não aconteceu.
A expectativa traiu-nos e tivemos de engolir a seco um misto de música pop e experimentalismo com mais boa vontade do que boa execução. O timing é o certo para falhar redondamente, pois o seu sucesso atual assim o permite. Quiseram aventurar-se por novos caminhos, e isso é de se louvar, mas acabaram por se perder. Às vezes, a meio caminho, iam olhando para trás, para quem já foram e não queriam deixar de ser, e fizeram “Death Kink”, “Bug” e “Here’s The Thing” – de longe os pontos altos do disco -, consolidando o seu legado pop.
Contudo, a desilusão reina. “Motorcycle Boy” é repetitivo. “Sundowner” carece de identidade. “Desire” impele o ouvinte para um excessivamente dramático crescendo que acaba num insatisfatório refrão. “Romance”, a canção homónima, com um instrumental de dimensões cinematográficas, é uma introdução obscura e relativamente boa para quem ouve o álbum na integra, mas nunca será deliberadamente tocada noutro contexto. Ou seja, no meio de tanto quererem, os Fontaines D.C comprometeram a sua própria identidade e fizeram-se passar por uns segundos Imagine Dragons, recorrendo amiúde a lugares-comuns, facilitismos e sintetizadores catitas que não salvam uma má canção.
Por outro lado, no meio deste grande balde de água fria, cintila uma inesperada pérola. “In The Modern World”, um hino pungente e emotivo para todos aqueles que respiram os ares apáticos do “mundo moderno”, repleto de graciosos arranjos de cordas que se entrelaçam delicadamente na nova voz de Grian Chatten, agora num registo mais dinâmico – visto ao de leve no seu projeto a solo -, contrariando as tendências monocórdicas do seu característico timbre.
A parte conceptual de Romance, pelo contrário, é a mais interessante. O título pode sugerir uma compilação de slows para porem num jantar de sexta-feira com a vossa cara-metade, mas engana. O romance aqui entendido toma traços taciturnos. Está cheio de obsessão. Jinga entre arrependimento, vingança e compaixão. É sobretudo um ensaio sobre o amor – esse conceito lato que é muitas vezes enfiado em pequenas caixas cor-de-rosa. De como é um espaço complexo e, às vezes, feio, onde tanto o melhor como o pior vêm ao de cima. Uma neurose inerente à condição humana que leva a pessoa mais segura de si sofrer de violentos conflitos interiores. Grian sublinha isso tudo com marcador fluorescente em “Here’s The Thing”, “Romance” e “Starburster”.
Possivelmente o disco mais esperado do ano é, no final de contas, um grande pãozinho sem sal. No entanto, a esperança que neles depositei, ainda no primeiro parágrafo, persiste. Acredito que chegará esse grande disco unificador de toda esta juventude. Não é um fracasso que os vai impedir de voltar a suceder. Serão os nossos novos Dire Staits, e um dia chegará o seu Brothers in Arms.
Muito bem!