Catarina “Katari” da Silva Henriques é uma força da natureza atrás da bateria. Entre as Anarchicks e outros projetos, tem marcado o rock nacional com energia e atitude. Nesta entrevista, a propósito do Dia Internacional da Mulher, fala sobre a presença das mulheres na música, liberdade e a importância de seguir o instinto.
Altamont: Acreditas que as mulheres estão a ganhar mais visibilidade nas baterias e nos instrumentos em bandas, ou ainda há muito a fazer nesse sentido?
Catarina “Katari” da Silva Henriques: Eu acho que estão a ganhar mais visibilidade, mas não chega. É por isso que me sinto sempre num papel de influenciadora, mas não no sentido de influenciadora da Internet. Sou uma figura que pode inspirar as gerações mais novas. E, por acaso, as Anarchicks têm um público, curiosamente, jovem. Os miúdos e as miúdas pequenas adoram as Anarchicks, ficam muito entusiasmados. As miúdas vão pedir as baquetas no final, e eu fico mesmo muito comovida. Digo-lhes para levarem as baquetas e experimentarem tocar bateria, para não terem medo de nada, porque o rock and roll é uma filosofia de vida, não é? E assenta na liberdade, e a liberdade é sempre uma ferramenta muito boa para uma pessoa viver uma vida plena e por inteiro.
Por isso, acho que as miúdas deviam arriscar ir para o rock e não ter medo de nada. Pode ser-se mãe e estar no rock, pode ser-se cientista e estar no rock, pode ser-se mulher inteira e estar no rock. Cada vez há mais miúdas, mas ainda são poucas. O facto de terem vidas normais e também terem bandas já é, por si só, uma boa influência. É uma inspiração fixe para as gerações mais novas, para as miúdas serem destemidas e não terem medo de se porem com as mamas à mostra em cima de um palco, a tocar bateria nuas ou a tocar guitarra em chamas.
Como vês o futuro da música e da cena em relação à inclusão de mulheres em espaços tradicionalmente dominados por homens, como a bateria?
Olha, eu, por acaso, tenho uma postura que tem a ver com a forma como levo a vida em si mesma. Mas também sou uma inspiração para outras miúdas serem livres e destemidas em qualquer área da realidade humana. Não julgo posturas diferentes. Acho que posturas diferentes são boas e saudáveis, mas não sou daquelas pessoas que estão sempre a evangelizar e a trazer à conversa a história das quotas femininas. Acho que a evolução natural das coisas é que as mulheres estejam em cada vez mais sítios. Se antes tínhamos menos visibilidade e menos liberdade, naturalmente, pela luta que já se fez, as coisas vão-se encaixando no sítio certo. Acho que já não são precisos grandes radicalismos; as coisas vão-se naturalmente equilibrando. E vai ser uma sociedade mais heterogénea, com todos os tipos de existências e perfis. Por isso, não estou muito preocupada com isso. A realidade é como um rio, e ele vai desaguar no sítio certo e da maneira mais natural possível. Acho que o facto de existirem pessoas como eu, em situações onde, mais vulgarmente, existem homens, já é uma inspiração natural.
Vejo o futuro com bons olhos. Tenho uma grande tendência para ver o futuro com bons olhos e acho que viver uma vida alegre e livre é meio caminho andado para irmos para um bom futuro. Um bom futuro, seja neste assunto das mulheres ou noutros assuntos quaisquer.
O que sentes que a tua presença como mulher baterista numa banda de homens, quando acompanhas o Tigerman, contribui para a representação e mudança dentro da cena musical?
Por acaso, já estive noutra banda que era ainda de um meio mais masculino, que era tipo doom, uma banda chamada Lâmina, e nesse meio havia ainda menos mulheres. Não considero que a minha passagem pela banda do Tigerman seja assim uma bandeira de “Mulheres no Rock”, porque é uma banda mais de… como é que hei de explicar? É difícil de explicar. Cada um tem o seu papel, e não é só um papel de músico. Também é um papel de figurino, de uma personagem quase que entra na banda. Ou seja, não sei se fará muito pela bandeira das mulheres no rock, porque é mais uma questão de performance e de ter um aspeto cénico. Não é só aquela coisa espontânea de rock and roll e punk, de miúdos pegarem nos instrumentos e irem para o palco fazer o que lhes dá na real gana. Por isso, não considero que seja dos exemplos, na minha carreira, que melhor representam a bandeira das Mulheres no Rock. Acho que as Anarchicks assumem mais esse papel. Miúdas que se juntam para fazer um som que cá em Portugal não se fazia. Aliás, até acho que o som que fazemos não há muitas bandas a fazer, nem de mulheres nem de homens. Acho que rasgámos aí uma cena um bocado nossa no panorama musical português. Acho que as Anarchicks fizeram mais pela bandeira das mulheres no rock do que eu no Tigerman.

Sentiste alguma vez que as tuas habilidades foram questionadas devido ao teu género? Como lidaste com isso?
Nunca senti. Nunca senti. Também sabes porquê? Porque eu sempre fui uma pessoa muito insegura e com alguns… alguns não, grandes problemas de auto-estima. Convém falar destas coisas abertamente para as pessoas perceberem que não estão sozinhas nos seus problemas de auto-estima, ansiedade, essas merdas e todas essas cangalhadas que carregamos às costas. Como era sempre muito insegura, a reação das pessoas era sempre muito, muito favorável. Sempre recebi muitos elogios à minha maneira de tocar. Houve uma vez que um rapaz disse: “É pá, quase pareces um homem a tocar!”, e as pessoas à volta ficaram escandalizadas – que horror, isso é tão sexista! – mas eu percebi o que ele queria dizer, porque a minha maneira de tocar não é sensível, não é feminina, não é frágil. Eu sou uma besta a tocar, mas não é por ser mulher, não é por ser homem, é por ser eu. Porque há uma coisa que transcende o género, que é a identidade, e eu acho que cada pessoa tem uma identidade muito própria. É como uma impressão digital: insubstituível, inimitável. Essas coisas falam mais alto do que o género. A conversa do género, eu sei que é importante, porque ainda as coisas não estão equiparadas, mas não é uma conversa que eu sinto dentro do meu peito. Acho que a identidade, o estilo próprio, o carisma, transcendem o género, e eu vivo um bocado nessa linha.
Que conselho darias a jovens mulheres que querem seguir a carreira de baterista ou músico, mas que podem estar a hesitar devido às barreiras de género?
Eu não sinto que haja barreiras de género. Eu podia ter três pilas e uma vagina na testa que teria o mesmo tipo de oportunidade na música como outra pessoa. Quando tu tens vontade, não há barreiras nenhumas, nem de género nem de dinheiro. Há sempre aquela conversa clássica da igualdade de oportunidades, que é um problema que existe, mas eu acho que quem tem vontade vai a qualquer lado. Para mim, barreiras de género são uma falsa questão. O conselho que eu tenho para dar aos jovens, sejam mulheres ou homens, é que, se gostam do instrumento, se sentem um bichinho lá dentro, se sentem inspiração, se tocam um instrumento ou criam qualquer coisa que os faz sentir bem, que os faz sentir vivos, que lhes dá um propósito… Isso é que é viver! É pôr cá para fora sentimentos que temos cá dentro. Por isso, não há barreira nenhuma que se ponha entre nós e a arte.
Diz-nos uma artista que te inspire.
Uma mulher que me inspire? A Siouxsie! Sim, adoro a Siouxsie, com todas as minhas ganas, com todas as minhas entranhas. Gosto muito também de uma senhora que é Planningtorock. Não sei qual é o nome dela pessoal, mas o projeto é Planningtorock, e ela não tem género. É uma artista em cheio, adoro-a, inspira-me imenso. Gosto muito da Grace Jones também.